15/05/2007

O Amor em Três Atos.

Um dia ela me pediu para escrever um poema sobre ela:

“Amor, porque você nunca escreveu um poema sobre mim?”
“Eu não sou bom com as palavras..não sei rimar amor e dor”

Eu sempre a achei meio burra, mas às vezes, me emociona a burrice dela. Me emociona como ela me olha vazio, buscando compreender as sutilezas que a vida tem. Parece um cachorrinho, uma gatinha. Um pássaro até...Os pássaros tem o olhar animal mais burro que já vi.

“Mas você é fotografo, então é artista, e todo artista sabe escrever poesia.”
“Não querida, isso não quer dizer nada. Me passa o café, por favor?”
“Não. Eu quero que você escreva algo sobre mim. Para a posteridade”
“Você ainda não morreu Ana, então eu não preciso escrever nada sobre você.”

***

Quando eu menos percebi, ela já estava acordando ao meu lado. A primeira vez foi chocante, quase idílico. Ana...É vago na minha memória o dia exato em que nos conhecemos. Pode ter sido num café, perto do meu trabalho. Ou na vernissage de algum pintor de quinta em alguma galeria de quinta. A verdade é que não tenho boa memória. Poderia ter sido qualquer outra mulher acordando ao me lado. Qualquer uma. Se elas não abrem a boca, eu praticamente apago os vestígios delas em minha vida. Mas eu me lembro a primeira coisa que Ana falou quando acordou:

“Nossa, aquilo é um pássaro? Que coisa estranha...”
“Não, parece um pássaro, mas na verdade é um tennis numa árvore... Uma fase minha meio... abstrata.”
“Ah... abstrata é? Eu também tive uma fase abstrata, eu te falei que adoro pintar?”

Foi aí que eu olhei melhor para ela, o cabelo desarrumado, pintado de um vermelho vulgar, não conseguia associá-la a nada, nem a ninguém. Uma estranha que gostava de pintar.

“Eu pintava umas manchas, mas isso era na época em que eu não sabia pintar, agora que eu fiz o curso, quero pintar retratos das pessoas, especialmente das minhas amigas”

Enquanto ela falava, eu acendi um cigarro.

“Você fuma?”
“Não fumo não, cigarro estraga a pele.”
“Então vamos trepar.”

A trepa foi ótima. Adoro o cheiro amanhecido da mulher. Perfume doce com suor, com hálito. E foi por isso que me apaixonei pela Ana, ela era barata, mas muito gostosa.


***

O que eu entendo como amor é simples. E por isso amo a Ana. Simplicidade é o nome do jogo, do jogo dela. Faça as perguntas certas, responda vagamente, trepe três vezes por semana. E quando acaba, tem que acabar de vez. Como um dia que amanhece. Esse lance de guarda a calcinha, fotos, frasco de perfume, é coisa de apaixonado não correspondido.

“ Tira uma foto minha, amor. Você tira foto daquelas modelos todas, mas não tira as minhas...”
“ Não posso fazer isso com você Ana.”
“Por quê?”
“Porque no dia que você me deixar, ou no dia em que tudo acabar. Eu vou olhar praquelas fotos e vou ter que te odiar.E eu não quero te odiar, só vou querer te esquecer.”
“Você é tão romântico, bruto, mas romântico.”

Essa foi a última vez em que trepamos. Mulher burra cansa também. Eu olhava pra ela, dentro de seus olhos de vidro azul e não conseguia enxergar sua alma. Talvez a Ana não tivesse alma. Ou tivesse alma de gato. Perdi o tesão nela quando ela pediu pra eu não a esquecer. Mas já esqueci. Até do seu cheiro eu esqueci. Só restou mesmo um pedacinho de guardanapo com uma poesia que ela escreveu.

“ Se você quer saber o quanto eu te amo, multiplique as estrelas do céu, pelas gotas do oceano.”

A Ana era muito burra, mas era sensível.

4 comentários:

todaverdadeetorta disse...
Este comentário foi removido por um administrador do blog.
Unknown disse...

adorei!

Anônimo disse...

Fala sério, Palomita. Mandou muito bem. Essa Ana cansa para cacete. Mas tá de boa de vez em quando. rs

Anônimo disse...

Isso dá vídeo! bJ. Marcel