29/04/2010

Brigas

Toda vez que a gente briga
Eu me sinto feia
Me sinto inútil.

Toda vez que a gente briga
Minha alegria vira lágrimas
E pinta o dia de cinza.

Toda vez que a gente briga
Uma mão grande arranca
De dentro da minha barriga
Um pedaço do meu amor.

Eu me sinto menor
E mais frágil

Me sinto só.

Toda vez é a mesma vez
É a mesma briga
É a mesma dor.

É só dor.

Dói muito por dentro.

Toda vez que a gente briga
Fico calada e sombria
Fico desinteressada.

Toda vez que a gente
Se desliga
Sobra um lado da linha
No vão.

Toda vez
É só chão

Um imenso caminho vazio.

Tudo fica miúdo
E cabe numa caixa de fósforos.

Tudo fica mudo.

Fica só eu.
Sem você.

Fico ímpar.

.

20/04/2010

Resolução VIII

Escutar mais as vozes da minha cabeça.

21/01/2010

Iminência

Me sinto na iminência de novo
Os ventos me empurram para o abismo
e as cordas que me seguravam já não
dão mais conta da tração
A vertigem me puxa pra baixo
de novo, não posso olhar para o chão
Nada pode me segurar agora
Nada pode deter em mim essa sensação
Não há consolo
Nem uma mão
Que segure meus pés firmes
Que segure meus cabelos
Os ventos urgem em me derrubar
Eu sei, contra a natureza somos
inúteis
Meu coração não quer acreditar
Mas estou na iminência
Meu corpo cede aos poucos
Minhas forças se esvaíram
Deixe, deixe te levar
Eu escuto
Deixe, deixe o tempo se encarregar
Queria ser surda
Queria ser cega
Soltar o corpo na queda e ir rumo
as profundezas desconhecidas
Ser engolida de uma vez abaixo
da superfície serena da razão
Ficar no silêncio e na escuridão
Na calma monotonia das tardes
Na certeza do não-acontecimento
Dormir serena longe desses ventos
Eu queria
Parar de sacudir ao bel-prazer da vida
Estou na iminência de novo
Meu corpo é só peso
Só chumbo e prata
Tento me arrastar para longe dessa borda
Mas do outro lado, que ironia
Já não existe mais a porta
É só daqui pra frente
Então vá, eu escuto
A linha é sempre reta
Nunca como uma serpente
Não se desengane
Agora é cara ou coroa
papel ou pedra.

18/01/2010

Fobias

Eu tenho medo de andar de havaianas em São Paulo
Tenho medo de inundar minha casa
Tenho medo de ser assaltada e assassinada
Tenho medo de ser parada por policiais na blitz
Tenho medo de andar a pé
Tenho medo dos estranhos
Dos mendigos na rua
De me perder na cracolândia de madrugada
Tenho medo de bater o carro na esquina de casa
Tenho medo de usar jóias
Tenho medo de tomar chuva ácida na cidade
De pegar gripe suína na faculdade
Tenho medo do sistema colapsar

Mas também

Tenho medo de bicho selvagem
De insetos que desconheço
De umidade na barraca
De atolar o carro na lama
Tenho medo do silêncio infinito
e da noite infinita
Medo de ficar sem banho e sem shampoo e sem creme
Tenho medo de mar bravo
Tenho medo de rio escuro
Tenho medo de aranha no telhado
Tenho medo do alface mal lavado
E da água fora da garrafa
Tenho medo de milho de estrada
De passar fome sem cream cackers
De faltar requeijão
Do celular não pegar
De ninguém me ligar e me achar



Perto disso, São Paulo é o luxo.

14/01/2010

Diálogo X

Preciso de uma coisa.
Do quê , exatamente?
Algo pra mim, entende?
Temos muitas coisas aqui, se a senhora quiser. O que a senhora quer?
Um frasco, aquele que tá lá no fundo.
Aquele é do mostruário, o lote acabou de acabar.
E o que mais que você tem pra me oferecer?
Tenho este aqui, pra insônia. Este, do frasco verde.
Insônia? Hmn... Não tô com insônia apesar de estar dormindo pouco.
Está inapetente?
Também não.
Irritadiça, com cólicas?
Não, não. Nada disso. O que eu tenho é quase uma loucura, quase um taquicardia, mas um pouco diferente.
Entendo, senhora. Deixe me ver aqui então.

( passa-se cinco minutos)

Veja, tenho esse, do frasquinho rosa, você pode tomar de duas a três vezes por dia.
E é realmente bom?
É sim, muitas pessoas como você o compram.
E é bom pra quê, afinal?
Pra isso tudo que você está sentindo. É um vazio bem aqui, certo?
Isso, um pouco mais pra esquerda talvez. Isso, ai!
Pois bem. É pra isso mesmo. Se não melhorar, essa dor meio vaga, essa sensação estranha que se parece com dor mas na verdade não é, me avise. Eu ainda tenho uma outra remessa que chega amanhã.
Do mesmo frasco?
Não, este só mês que vem. O que chega amanhã é mais abrangente. É tiro e queda!
Será que eu espero?
Você consegue esperar?
Talvez..., mas, ai, só de pensar que, sei lá, que eu não vou conseguir esperar já me dá um sufoco!
Então leva esse. E amanhã você compra outro. Você vai ver, nada como esperar e ver as coisas melhorarem.
Eu posso te ligar?
Desculpa, ligar?
É, caso eu não consiga.
A senhora vai conseguir.
Mas posso te ligar? Só me deixe te ligar, caso eu precise, vai me deixar tranquila saber que posso ligar pra alguém.
Bem, senhora, isto é um tanto antiético.
Por favor, há tempos não posso contar com ninguém, estou sozinha. Meus amigos viajaram, meu cachorro morreu, minhas plantas secaram. Não me sobrou muita coisa. Só um telefonema.
Neste caso, te deixo o telefone do meu celular então, mas me ligue somente e tão somente a senhora estiver em apuros, daqueles que nem o travesseiro segura as lágrimas.
Oh, obrigada, o senhor é um homem bom.
Sou casado.
Mas continua sendo um homem bom.
Obrigado.
Bem, então, até amanhã.
Até senhora. Boa sorte.
Precisarei. Tchau!
Tchau.

23/12/2009

Poema da Separação II

Todas as calcinhas, as rosas de lacinho, as branquinhas de renda,
aquela outra para o aniversário, vão ficar guardadas no armário;
E os outros presentes que iam ser dados, vão ser esquecidos.
Se arrependimento matasse, teria ao menos aceitado
de bom grado, se insistisse, o colar de pedrinhas azuis.

Agora começar tudo de novo: a academia, a lista de filmes,
o livro de filosofia.
Ligar pra todas as amigas, vai ser sábado de segunda a quinta.

Lidar com a dúvida que mais a devora -um dilema a parte.

Gorda ou gostosa, gorda ou gostosa,em qual delas acreditar agora?
Até o brigadeiro feito antes com zelo tornou-se inimigo.

Como entrar naquela calça que
meses atrás conquistou o gatinho?

Pensando a fundo, ainda tem todos os retratos.
Na praia.
No parque.
Na piscina.
Beijos, abraços, close no nariz engraçadinho.
Sorrisos apaixonados.
(Ai, que raiva do cretino!)

Parece agora um grande museu do desespero.

Mas, bola pra frente. Se olha no espelho, nem liga,
muda essa cor horrorosa do cabelo. O verão ainda promete,
além de cerveja gelada, muitos assobios
( de fato a academia está no top da lista)
Do ex agora, só sobrou mesmo uma caixa
de lencinhos vazia.

Nem mais uma lágrima se atreve a chorar,
as amigas falaram: não vale a pena, a mãe e o pai
também acham. Esquece aquele edema!

Mas daí ela pensa que ele era tão, tão, tão....
e que tudo era bom, bom, bom.

De relance olha a prateleira de sapatos,
vê o roxo, tipo mulher gato.
Não pensa duas vezes, agora, de fato, chega.
Batonzinho rosa só pra dar uma cor.
Fecha a porta do quarto.

Com cuidado desce as escadas.
Deixa tudo para trás,
porque é sempre tudo de novo.
E então já está, pensa:
Que venha o próximo namoro.

17/12/2009

Quanto tempo falta para esse sol de todos os dias
parar de iluminar as árvores da minha insegurança,
E deixar que as sombrar morram, aos poucos, dentro da noite?
E essa lua? A quantas anda seus giros em volta da minha órbita?
Da minha terra seca, dos meus sorrisos sem sulcos?

Quanto tempo falta? É inútil, é vão, é esquecido.
Vão-se as horas e espalhadas pelos sítios em volta
como folhas de outono, cobrem no meu rosto o medo.
Sem vento, a permanência delas é quase eterna.

Eterna enquanto dure o universo de coisas
dentro da minha cabeça ardida, ardida.
Os astros da fortuna pararam na casa da saúde
ali moram, velhos, senis, grandes bolas vermelhas.

Quanto tempo falta ainda para que eu possa crer
de fato, nos fatos? Na verdade, na certeza?
E deixar que a febre ceda e meu corpo resfrie
e meu sono seja com sonhos de pessoas silenciosas.
De pessoas com rostos suaves e olhares diretos
que olham pra dentro de mim como espíritos.

Falta quanto mais e quanto mais será preciso
aguentar essa urgência me comendo.
Eu me vejo aqui e não posso entender o que faço.
Aceito andar em linhas retas por cima de mim mesma
e vejo que talvez seja imprudente não olhar para os lados.

Mas, quanto tempo falta?
Só lamento não saber e sofrer por vontades
frívolas e sem graça e sem força pra sobreviverem.
Enquanto isso na rua, no céu, na paulista a vida
corre sozinha me deixando para trás.

Quanto mais, quanto mais?
Os dedos que enfio na terra formam furos profundos,
ali enfio sementes e rezo e desejo e as amo.
Querendo que o tempo seja justo e as deixe crescer
e que eu possa cuidar delas como não cuidei de mim.