25/11/2008

Vidas Ordinárias VI

Sempre que Ela pensava em ser alguém, um outro alguém vinha, e acabava com essa idéia estúpida da sua cabecinha.

24/11/2008

Faces do Amor

Ana gosta do humor de Paulo, gosta muito do seu jeito leve de ser.

Mas os olhos do Rodrigo, de um fogo tão profundo e abissal - que até assustou-, ela não se esquecerá.

Pedro tem um quê de intelectual, pena que não quer Ana, que quer tudo. Mesmo assim passeiam, dia sim dia não. Sua companhia é uma companhia madura e delicada e às vezes estranha.

Para ela, André é quase perfeito, seu romance a envolve por inteiro, promessas de fim de semana na praia e concertos de jazz aos sábados. Sente que o que há, vem de muito tempo antes.


Rodrigo fala pouco, tem um sorriso meio maroto, e por trás dos óculos Ana sente que ele sempre está olhando para ela. Sua vida é um mistério, quase não conversam. Ana adora.

Paulo marcou sua vida aos poucos de uma forma bonita, como nos contos de amor. Sua arte é o Ser humano e emociona Ana a forma como ele sente a dor do mundo.

Mais uma vez, Pedro vai ligar. Ela sabe que tem que deixar pra lá, essa retórica toda de contestar o coração.

Pois pra ela, a fragilidade de André beira a loucura contaminante da paixão. É tudo sobre o par perfeito, tudo sobre dois.

Mas Rodrigo tem que entender que o que é dela não será compartilhado. E não é uma pena, não é um sinto muito.

É só um apenas.

12/11/2008

Solidão
Solidão
Solidão

Amar é:
Um imenso mar aberto.
Um deserto
Só, se ama.
Sempre em vão.

Solidão
Solidão
Solidão

Ao final escuridão.

Amar é:
Sentir vazão
Do que é meu
Meu
Meu
Meu

Cansei da solidão, mas
Não se ama a dois
Só se ama.

11/11/2008

Paulo

Hoje, e nos últimos dias da minha vida, eu não tenho me levantando. Não tenho me levantado não por nenhuma razão além da compreensão humana, senão pelo único fato de que a vida não está me apetecendo. Não me apetece sair pelas ruas, sociabilizando com qualquer um que me passe pela frente. Me sinto deprimido. Me sinto acuado pela imensidão social da cidade. Me sinto em nervos, e no fundo, sinto também que para isso não existe uma cura exata. Meu último gole de água da garrafa que ficava ao lado de minha cama eu já tomei. E agora, o que me resta, é repousar na escuridão deste quarto e refletir sobre os conflitos sociológicos urbanos mais recentes.

Vejamos.

Por que eu deveria amar a vida? Nunca houve tanta fome neste mundo, tanta miséria como agora, e então porque justamente eu tenho que amar a vida, e fazer dela uma festa? Como posso falar com alguém : Ola, sou Paulo, trabalho na bolsa de valores etc, etc, etc. Como poderia ousar tal façanha enquanto no norte do país pessoas morrem, literalmente, de fome.

A verdade é que eu falhei. Falhei socialmente, falhei emocionalmente, falhei como ser humano. Mas assumo a minha incoerência psíquica; meu desequilíbrio emocional é só um reflexo da imensidão desorganizada do mundo. E por isso acho que a injustiça é regra, e não exceção.

Não posso encarar as ruas, as calçadas, o meu trabalho depois que Rita me deixou. Ela não somente me deixou, como me deixou só. Ela se foi, e sem explicação. Sem razão. Por isso, não acredito na vida, mas também não tenho o direito de reclamar como um bossal. Ela tinha um perfil de mulher gênio e nisso a gente combinava. Antes, claro, bem antes de eu entender tudo, e entender que ela não poderia fazer parte do meu mundo. E que o mundo dela, por demais criativo e reluzente, e cheio de iniciativas iria se chocar, gradativamente com o meu.

Mas isso é outra história. É outra história porque agora, o que quero, é escrever de mim, e sobre o que eu sinto.

Vidas Ordinárias V

Paulo acordou assim, meio injuriado, já não era um dia comum, era seu inferno astral. E todos sabem que, os de Touro, possuem o pior inferno astral de todos os signos. Pior até que peixes. Era maio, um mês de muitas revoluções no passado: A invasão russa em praga, o maio de 68 dos franceses, seu nascimento, as flores de maio, os casamentos em maio, o outono. Quantos anos faria? Trinta e três. Nossa… O tempo passou para Paulo, na verdade, foram muitas coisas que passaram por ele, e agora a vida acena, desde seu nascimento, com um esgar de choro. “Ainda estou vivo, mas sinto que já estou morto”.

Pulou da cama com um sentimento novo, uma saudade de partida se apossou dele. Olhou o quarto ao seu redor como se fosse a última vez que ali entraria. Paulo ainda não sabia. Mas nunca mais ouviria sua coleção de jazz novamente. Não era mentira, veio de dentro uma certeza nunca antes sentida, pôs a mão na cabeça, desejou que Marta estivesse ali e com ela faria amor, um amor meio animal, um amor lá de dentro, e agora que sabe que não há volta, poderá dizer: Eu te amei, Marta. Ela iria embora feliz, como nunca antes.

Tocou o telefone, um fervor na espinha subiu:
“Quem é?” Disse Paulo.
Houve um silêncio rápido e sepulcral.
“É a crise.”
Paulo ficou branco, e continuaram do outro lado da linha:
“Ela chegou.” Desligaram o telefone.

Que coisa horrível! Então era isso que ele estava esperando. Ligou a TV. Realmente, ela tinha chegado, foi tão de repente. Pela tela via uma multidão ocupando a Avenida Paulista. Pesadelo, pensou. Sentiu uma angustia muito grande. Passou em outro canal, em Nova York, as pessoas se digladiavam com dólares numa mão e sacos de comida na outra. Paulo não entendia nada, até ontem era tudo uma calma e, de repente, a crise veio como uma enxurrada. Tentou ligar para os amigos, as linhas estavam todas ocupadas, pela sacada podia ver que o comércio havia fechado suas portas por medo de saques. O céu estava cinza. Era o fim.

Entrou na internet para procurar mais notícias e tudo o que lia era uma história de horror. Não haviam previsto tal crise, não se sabia o que ia acontecer, o futuro era incerto. Paulo não podia acreditar. Ficou deprimido. Logo hoje, o dia em que tudo poderia ter sido diferente, seu calendário estava marcado de caneta azul com a letra de Marta: Faltam 30 dias e meu amor só cresce.
Odiou Marta e seu amor estúpido por coisas que ainda aconteceram. Odiou ser quem era, odiou os bancos, a crise.

Não tinha para onde correr, o mundo estava em crise e não tinha sequer uma esquina onde se abrigar. Pegou sua moto, chovia cântaros, as gotas grossas batiam na frente de seu capacete e molhavam seu corpo, corria a cem por hora em direção a marginal. Não é possível, pensava. Pelo retrovisor da moto um vulto o seguia, era delírio, só podia. É hoje, finalmente. Quando aumentou a velocidade da moto, uma adrenalina forte tomou conta de tudo, fechou os olhos e deixou que a moto o guiasse para seu fim. Em um segundo seria só paz, só noite, só ele e Deus. Pensou antes de morrer: que vida boa levava os peixes, que tudo o que precisavam fazer era, esperar ignorantes da sua própria existência, a comida e a morte. E então, o rio Tiête, faminto engoliu Paulo, abocanhando sua alma aflita para todo sempre.

04/11/2008

vagamundo

Quero estar em muitos lugares agora. Desejo me desprender de meu corpo e poder flutuar entre as fronteiras de meu país, com a mesma facilidade com a qual vagueia meu pensamento. Hoje sinto uma imensa necessidade de não estar mais em São Paulo, como se esta cidade não me pertencesse, pequenas migalhas de pão, ainda fazem parte do pão, mesmo que este não exista mais. Em mim, só existe um resíduo desta cidade, um esgar de seu esgoto, uma pequena migalha dela em mim.

Quando viajo, não me importa o destino, o que importa é distrair o meu olhar em outras paisagens, é poder sentir o perfume de outras ruas – estradas asfaltadas ou de terra úmida- repousar meu corpo numa cama dura de um hotel ou quem sabe de um quarto amigo. O abraço do desconhecido inebria o meu corpo branco, invernal, austral. Sendo assim me apaixono facilmente, sempre fui uma pessoa que cai de amores pelo desconhecido, e nessas situações, poderia me casar com o gato preso por uma cordinha num barraco de madeira, ou me ajuntar com um pescador e seu pesqueiro, viver de amores com uma fazendo de ostras à beira-mar. Eternas luas de mel com outros céus azuis, outras noites estreladas. Amar sempre amando o distante, pois nele repouso minha criatividade, minhas brincadeiras oníricas.

Estando sempre tão longe daqui, posso desejar morrer em terras estrangeiras. Decido, em partes, que meu coração pertence a outro lugar, mas nunca sei a onde, pois todas as cidades me entorpecem, e em todas quero estar e estabelecer uma nova vida, poder acordar todos os dias nos próximos anos e fazer novas amizades, comer novas frutas da região, tomar um banho de mar se no mar eu estiver, ou acampar em alguma montanha que acerca meu novo lar.

São apenas paixões, meu coração começa a bater mais rápido e de súbito determino: aqui é o lugar. Sempre quis viver fora de São Paulo. Acordo no outro dia chorando com a possibilidade que é uma areia movediça que me engole assim que decido pisar fundo, e o véu cai de meus olhos, percebo que na verdade aquilo também foi uma cilada. Aquela outra cidade é toda uma cilada. O que eu faço? Lá pode estar todos os pequenos objetos e flores que nunca vi antes, mas... E o não estiver lá?

O que não estiver lá deverei abdicar: E como não sei abdicar!Pois quando me apaixono caio em transe e não consigo abrir mão para que possa sofrer um tiquinho da dor da imperfeição, me vejo novamente envolta por um sentimento de desafeto e humilhação. Volto para a Casa, a minha, como a criança pronta para tomar uma surra da mãe depois de uma travessura. Fecho os olhos e tento respirar fundo as lembranças que ficaram em minha memória, aperto as mãos e sinto suavemente a textura do mundo novo que deixei para trás. Abro as mãos e é como se toda a vida escorresse dela.

O caminho da volta pode ter muitos sentidos, pode ser um recomeço como poder se o fim. Ontem achei que fosse o fim, achei que seria a ultima vez que voltaria para aquela casa, coloquei uma pedra em meu coração e deixei que ela pesasse. Olhando o horizonte – mais laranja e vermelho do que nunca- pela janela do avião mandei um beijo para o nada, para o ar que respirei, que me alimentou e me oxigenou.

Cedo a um breve sono e ao acordar volto a olhar pela janela, o que encontro é uma pintura moderna, uma via láctea térrea cobrindo toda a extensão do meu olhar. Na escuridão muitas luzes artificiais compunham um cenário futurista, nos espaços das ruas, amontoavam-se faróis de carros, dando a impressão de que aquilo era uma cachoeira de luz, pelo espaço, espalhadas e esfumaçadas, pontos de letreiros azuis e vermelhos manchavam o reinado do escuro e claro.

Achei a imagem bela e não mais me sucumbi ao medo do retorno, a feiúra de São Paulo desapareceu naquele momento e do céu tive uma visão sublime do que poderia ser aquela cidade e porque de algum modo a amo e me apaixono por ela outra vez. Mas um dia verei a feiúra de um céu sem pintura novamente, e então recomeçarei a minha busca. Levarei um par de sapatos e um óculos de sol, para qualquer outro lugar.