04/12/2008
Poema da Separação
Vai poder dizer que ela é ainda mais nova.
E vai rir da sua cara.
Minha cara, é assim que é.
Você irá encontrá-lo em um bar qualquer.
Tomando cinar com cerveja.
Ele de mãos dadas com a tal gueixa.
Importada da liberdade, centro.
Sem apego.
Cultive o desafeto profundo.
Cuspa na cara da japa,
Que além de mais nova, é mais baixa.
Diga a ele que não perdoa.
A vida é curta e boa.
Suba ela pela augusta sorrindo.
Ligue para o André e o Pedrinho.
Fale que está solteira e danada.
Ponha mini saia e botas.
Lenço no pescoço.
A contra gosto do ex- noivo.
Taca fogo e arrasa.
02/12/2008
Diálogo II
“Quando te vejo eu penso no big Bang.”
“ Então você me vê como uma teoria?”
“Talvez, uma teoria reluzente, complexa.”
Ela se virou contra a janela, suas costas eram largas e perfeitas, a luz atravessava o vidro e pousou alaranjada em seus cabelos e em toda a extensão do seu corpo. Ele acariciou a sua pele e pensava nesse instante em algumas rimas perfeitas.
“Queria escrever um poema sobre você, sobre seu corpo.”
“Eu não sabia que você escrevia poemas, achei que não gostasse. Aquele dia, no bar, eu estava recitando no sarau e a sua cara era de tédio.”
O silêncio ficou pesado no quarto. Ele aproximou sua boca dos ouvidos dela.
“Eu tive ciúmes de você naquele momento. Porque você é tão bela e estava lá, recitando para todos. Eu queria naquele dia que você fosse só minha.”
“ Não posso ser só sua. Na prática, essas coisas não funcionam.”
“Por isso que você é um big Bang, não cabe no meu pequeno espaço.”
“Vamos fazer amor de novo, vou sentir a sua falta.”
Essa última frase que ela disse, foi somente para feri-lo, já havia dado muitas chances, em todas, ele saia pela tangente. Então ela jurou que não ia mais se apaixonar.
Enquanto faziam amor, ele só pensava em como ia ser difícil passar as suas tardes só, não pensava nela, não queria pensar que ela existia. Mas ela, sofria porque no fundo queria ficar ao seu lado e sabia que não podia, não era justo, então tudo o que faria era magoá-lo até que a esquecesse. Era a sua vingança.
Ai, ela abriu os olhos, e fitou longamente os olhos dele:
“ Sabe, existem três tipos de coisas: as determinísticas, as probabilísticas e as caóticas. E pra mim, você é uma das coisas determinísticas.”
Ele de repente ficou surpreso com essa resposta dura, descobrira que para ela, ele não passava de uma parte fixa de seu destino, predestinado, previsível.
“Não há surpresas em você e muito menos no nosso futuro, porque eu já sei o que somos, e nós não poderemos ser mais nada além de dois corpos. Era destino que um dia me apaixonasse, mesmo sendo já determinado que você foderia a minha vida.”
Aquilo doeu em seu coração, como cartas de amor suicidas, aquelas palavras afundaram o que restava de sua ternura por ela. Ele pode entender que aquele big bang havia se espalhado não somente pelo seu espaço, mas por todo o espaço sideral imaginável e que de agora em diante, a verdade do sentimento pendia entre eles penosamente, como uma chuva torrencial.
Seu semblante pesou e um acesso de asma tomou conta dele:
“ se você quer saber , eu não te amo mais, nesse instante, você morreu pra mim.”
O sol já havia se posto, e um vento forte e quente tomava conta do quarto, fazendo um assovio pela fresta da janela de madeira. O mormaço de sexo acabou sendo varrido com o vento e a sensação de grandeza transbordou o ambiente. A cama larga, de lençóis brancos ficou pequena para aqueles dois corpos, ela deslizou para fora e seus pés tocaram o chão frio, seu corpo nu se arrepiou e ele pôde mais uma vez, mesmo sem amor, absorver aquela imagem e guardá-la sabe-se lá onde.
Agonia
“ No temor clínico de um colapso esconde-se o temor de um colapso já experimentado (primitive agony)...
A respiração forçada, os medos nunca vêem sozinhos, estão sempre acompanhados de demônios. Demônios meninos. Na hora, tudo é desespero. Não se vá! Posto que já vive o pesadelo, da perda da mulher amada.
...há momentos em que um paciente necessita que lhe digam...
Depois disso, não lhe resta nada. Não há consolo no mundo. O que vive é duro, é pedra e areia molhada.! Não importam o que digam, só importa a amada.
...que o colapso que o atemoriza, minando assim sua vida, já aconteceu.” (Winnicott)
Não acreditar é a melhor saída, depois disso só a morte, essa triste amiga, pode sedar o temor da solidão opaca. Quem lhe falar o contrário, entrega-lhe a corda e a espada. Só da verdade não se vive. Ela não o ama, só tem piedade. Deixe então que ele sofra, na loucura, essa cama boa. As mentiras antes experimentadas.
Lu
Quando fala comigo, quando conversamos numa tarde qualquer, as suas palavras são as dos Homens. Uma boca cheia de verbos se abre e fecha, inúmera vezes, enchendo meus ouvidos. Pode-se dizer que existe uma ansiedade na sua fala sem pontos nem vírgulas, e que às vezes, desgovernadas ela ancoram com força e se espedaçam em cacos.Daí ela chora no chuveiro, aliviando sua alma, deixando escorrer pelo ralo uma angustia. A vontade que eu tenho é de dizer que não sofra, que o amor é uma coisa boba, nós poetas sabemos disso.
Outro dia recebi uma carta sua, falando sobre a chuva e sobre as lágrimas de Deus que caíram sobre seus ombros–ou foram sobre os meus?- e que provaram, dentro de tantas dúvidas, a sua presença. Não foi uma metáfora, porque a metáfora é vazia, é uma comparação entre duas coisas que parecem, mas não são. Quando sofremos não é metáfora, é dor física dentro do peito. Será que ela sofre? Será meu Deus?!
Imagino que ela olhou para cima e as lágrimas do céu caíram em suas janelas castanhas. Acho que na hora ela sorriu, deve ter sorrido espertamente. Abriu as mãos e de uma delas caiu uma caneta. Não precisava mais escrever aquele momento, não havia verbos em sua boca suficientes para decifrar o sentido do momento em que o ser humano é. Na plenitude do sentimento, ela me escreve outra carta contando o que aconteceu dentro dela naquele momento.
“Querida amiga, pergunto se a vida pensa em mim. Vocêpensa em mim?”
Eu sempre penso nela, como a vida poderia não pensar? A vida seria menor se não houvesse criado tal ser e se ele não tivesse um dia entrado pela porta da sala, rindo espertamente de tudo em volta, como se a piada já estivesse pronta.E eu acabo acreditando que onde ela está, Deus está. Porque o seu Deus anda sempre por perto, como um caderno de anotações, de inspirações.
E por fim, no meio disso tudo, chegamos sempre à mesma conclusão, entre uma garfada de macarrão e outra, entre uma risada e outra, que o seu Deus e o meu Amor são a mesma pessoa, que eu posso ficar tranqüila e acreditar que na dúvida existe sabedoria, existimos porque duvidamos, certo Lu? Certo, ela diria.
25/11/2008
Vidas Ordinárias VI
Sempre que Ela pensava em ser alguém, um outro alguém vinha, e acabava com essa idéia estúpida da sua cabecinha.
24/11/2008
Faces do Amor
Mas os olhos do Rodrigo, de um fogo tão profundo e abissal - que até assustou-, ela não se esquecerá.
Pedro tem um quê de intelectual, pena que não quer Ana, que quer tudo. Mesmo assim passeiam, dia sim dia não. Sua companhia é uma companhia madura e delicada e às vezes estranha.
Para ela, André é quase perfeito, seu romance a envolve por inteiro, promessas de fim de semana na praia e concertos de jazz aos sábados. Sente que o que há, vem de muito tempo antes.
Rodrigo fala pouco, tem um sorriso meio maroto, e por trás dos óculos Ana sente que ele sempre está olhando para ela. Sua vida é um mistério, quase não conversam. Ana adora.
Paulo marcou sua vida aos poucos de uma forma bonita, como nos contos de amor. Sua arte é o Ser humano e emociona Ana a forma como ele sente a dor do mundo.
Mais uma vez, Pedro vai ligar. Ela sabe que tem que deixar pra lá, essa retórica toda de contestar o coração.
Pois pra ela, a fragilidade de André beira a loucura contaminante da paixão. É tudo sobre o par perfeito, tudo sobre dois.
Mas Rodrigo tem que entender que o que é dela não será compartilhado. E não é uma pena, não é um sinto muito.
É só um apenas.
12/11/2008
11/11/2008
Paulo
Vejamos.
Por que eu deveria amar a vida? Nunca houve tanta fome neste mundo, tanta miséria como agora, e então porque justamente eu tenho que amar a vida, e fazer dela uma festa? Como posso falar com alguém : Ola, sou Paulo, trabalho na bolsa de valores etc, etc, etc. Como poderia ousar tal façanha enquanto no norte do país pessoas morrem, literalmente, de fome.
A verdade é que eu falhei. Falhei socialmente, falhei emocionalmente, falhei como ser humano. Mas assumo a minha incoerência psíquica; meu desequilíbrio emocional é só um reflexo da imensidão desorganizada do mundo. E por isso acho que a injustiça é regra, e não exceção.
Não posso encarar as ruas, as calçadas, o meu trabalho depois que Rita me deixou. Ela não somente me deixou, como me deixou só. Ela se foi, e sem explicação. Sem razão. Por isso, não acredito na vida, mas também não tenho o direito de reclamar como um bossal. Ela tinha um perfil de mulher gênio e nisso a gente combinava. Antes, claro, bem antes de eu entender tudo, e entender que ela não poderia fazer parte do meu mundo. E que o mundo dela, por demais criativo e reluzente, e cheio de iniciativas iria se chocar, gradativamente com o meu.
Mas isso é outra história. É outra história porque agora, o que quero, é escrever de mim, e sobre o que eu sinto.
Vidas Ordinárias V
Pulou da cama com um sentimento novo, uma saudade de partida se apossou dele. Olhou o quarto ao seu redor como se fosse a última vez que ali entraria. Paulo ainda não sabia. Mas nunca mais ouviria sua coleção de jazz novamente. Não era mentira, veio de dentro uma certeza nunca antes sentida, pôs a mão na cabeça, desejou que Marta estivesse ali e com ela faria amor, um amor meio animal, um amor lá de dentro, e agora que sabe que não há volta, poderá dizer: Eu te amei, Marta. Ela iria embora feliz, como nunca antes.
Tocou o telefone, um fervor na espinha subiu:
“Quem é?” Disse Paulo.
Houve um silêncio rápido e sepulcral.
“É a crise.”
Paulo ficou branco, e continuaram do outro lado da linha:
“Ela chegou.” Desligaram o telefone.
Que coisa horrível! Então era isso que ele estava esperando. Ligou a TV. Realmente, ela tinha chegado, foi tão de repente. Pela tela via uma multidão ocupando a Avenida Paulista. Pesadelo, pensou. Sentiu uma angustia muito grande. Passou em outro canal, em Nova York, as pessoas se digladiavam com dólares numa mão e sacos de comida na outra. Paulo não entendia nada, até ontem era tudo uma calma e, de repente, a crise veio como uma enxurrada. Tentou ligar para os amigos, as linhas estavam todas ocupadas, pela sacada podia ver que o comércio havia fechado suas portas por medo de saques. O céu estava cinza. Era o fim.
Entrou na internet para procurar mais notícias e tudo o que lia era uma história de horror. Não haviam previsto tal crise, não se sabia o que ia acontecer, o futuro era incerto. Paulo não podia acreditar. Ficou deprimido. Logo hoje, o dia em que tudo poderia ter sido diferente, seu calendário estava marcado de caneta azul com a letra de Marta: Faltam 30 dias e meu amor só cresce.
Odiou Marta e seu amor estúpido por coisas que ainda aconteceram. Odiou ser quem era, odiou os bancos, a crise.
Não tinha para onde correr, o mundo estava em crise e não tinha sequer uma esquina onde se abrigar. Pegou sua moto, chovia cântaros, as gotas grossas batiam na frente de seu capacete e molhavam seu corpo, corria a cem por hora em direção a marginal. Não é possível, pensava. Pelo retrovisor da moto um vulto o seguia, era delírio, só podia. É hoje, finalmente. Quando aumentou a velocidade da moto, uma adrenalina forte tomou conta de tudo, fechou os olhos e deixou que a moto o guiasse para seu fim. Em um segundo seria só paz, só noite, só ele e Deus. Pensou antes de morrer: que vida boa levava os peixes, que tudo o que precisavam fazer era, esperar ignorantes da sua própria existência, a comida e a morte. E então, o rio Tiête, faminto engoliu Paulo, abocanhando sua alma aflita para todo sempre.
04/11/2008
vagamundo
Quando viajo, não me importa o destino, o que importa é distrair o meu olhar em outras paisagens, é poder sentir o perfume de outras ruas – estradas asfaltadas ou de terra úmida- repousar meu corpo numa cama dura de um hotel ou quem sabe de um quarto amigo. O abraço do desconhecido inebria o meu corpo branco, invernal, austral. Sendo assim me apaixono facilmente, sempre fui uma pessoa que cai de amores pelo desconhecido, e nessas situações, poderia me casar com o gato preso por uma cordinha num barraco de madeira, ou me ajuntar com um pescador e seu pesqueiro, viver de amores com uma fazendo de ostras à beira-mar. Eternas luas de mel com outros céus azuis, outras noites estreladas. Amar sempre amando o distante, pois nele repouso minha criatividade, minhas brincadeiras oníricas.
Estando sempre tão longe daqui, posso desejar morrer em terras estrangeiras. Decido, em partes, que meu coração pertence a outro lugar, mas nunca sei a onde, pois todas as cidades me entorpecem, e em todas quero estar e estabelecer uma nova vida, poder acordar todos os dias nos próximos anos e fazer novas amizades, comer novas frutas da região, tomar um banho de mar se no mar eu estiver, ou acampar em alguma montanha que acerca meu novo lar.
São apenas paixões, meu coração começa a bater mais rápido e de súbito determino: aqui é o lugar. Sempre quis viver fora de São Paulo. Acordo no outro dia chorando com a possibilidade que é uma areia movediça que me engole assim que decido pisar fundo, e o véu cai de meus olhos, percebo que na verdade aquilo também foi uma cilada. Aquela outra cidade é toda uma cilada. O que eu faço? Lá pode estar todos os pequenos objetos e flores que nunca vi antes, mas... E o não estiver lá?
O que não estiver lá deverei abdicar: E como não sei abdicar!Pois quando me apaixono caio em transe e não consigo abrir mão para que possa sofrer um tiquinho da dor da imperfeição, me vejo novamente envolta por um sentimento de desafeto e humilhação. Volto para a Casa, a minha, como a criança pronta para tomar uma surra da mãe depois de uma travessura. Fecho os olhos e tento respirar fundo as lembranças que ficaram em minha memória, aperto as mãos e sinto suavemente a textura do mundo novo que deixei para trás. Abro as mãos e é como se toda a vida escorresse dela.
O caminho da volta pode ter muitos sentidos, pode ser um recomeço como poder se o fim. Ontem achei que fosse o fim, achei que seria a ultima vez que voltaria para aquela casa, coloquei uma pedra em meu coração e deixei que ela pesasse. Olhando o horizonte – mais laranja e vermelho do que nunca- pela janela do avião mandei um beijo para o nada, para o ar que respirei, que me alimentou e me oxigenou.
Cedo a um breve sono e ao acordar volto a olhar pela janela, o que encontro é uma pintura moderna, uma via láctea térrea cobrindo toda a extensão do meu olhar. Na escuridão muitas luzes artificiais compunham um cenário futurista, nos espaços das ruas, amontoavam-se faróis de carros, dando a impressão de que aquilo era uma cachoeira de luz, pelo espaço, espalhadas e esfumaçadas, pontos de letreiros azuis e vermelhos manchavam o reinado do escuro e claro.
Achei a imagem bela e não mais me sucumbi ao medo do retorno, a feiúra de São Paulo desapareceu naquele momento e do céu tive uma visão sublime do que poderia ser aquela cidade e porque de algum modo a amo e me apaixono por ela outra vez. Mas um dia verei a feiúra de um céu sem pintura novamente, e então recomeçarei a minha busca. Levarei um par de sapatos e um óculos de sol, para qualquer outro lugar.
16/07/2008
Ponha em si um poema, amor
Deixe a rima levar seus sentimentos
Deixe a cadência sobrepor
O ritmo de seus batimentos.
Faça pouco dos lamentos
Das tormentas do coração
Da dor, do descontento
Escreva uma canção
Sinta como é a sensação
Se você puder descrevê-la
Pois nem tudo é solidão
Nem tudo é uma pena
Deixe, que ainda há lá dentro
Água, açúcar e pimenta.
Vidas Ordinárias IV
O vermelho que não era dela, sempre gostou de azul, mas agora, agora que o segundo se passou, achou melhor deixar para trás, como as fotos, o que fora. A vida a um pode ser boa, usar o vestido que quiser, tomar seu café e fumar um cigarro. Ler até mais tarde na cama grande. Pensar no que quer ser no futuro. Os minutos da vida correm adiante, sempre em frente segue o seu destino. Tem que acompanhar a lida da vida, senão Ana se perderá, para sempre. Para todo o sempre.
***
Já Paulo, prefere a companhia de amigos, é de amigos que se faz a vida, e são sempre eles que mostram em seus defeitos ou atitudes, um pouco do que somos. A solidão ocupa um espaço muito grande em seu peito, e parece não ter fim nem concerto. Será sempre um homem só, Paulo. Mas é a sua sina, sua busca por um pouco de aconchego vai demorar a chegar, e ele sabe disso. A sua tristeza é compreensível e ele não luta mais contra ela.
Paulo vai continuar onde está, e seu grande plano agora é poder busca algo que acabe com a solidão que não acaba. Precisa ainda arrumar sua casa, e encontrar papéis perdidos há muito tempo, ainda não sabe se irá viajar ou se muda de emprego. Vai continuar colecionando fotos nas paredes brancas da sua casa, vai continuar perfurando, com o prego a tintura gasta. É disso que precisa, a linearidade maçante de seu cotidiano.
É isso então. O dia vence as horas, as horas nunca são suficientes. E bem da verdade, as plantas de vaso nunca duram a estação. Tudo passa, tudo se esquece. Se não se esquece agora, a velhice tratará de o fazer. E a vida tratará de mostrar os caminhos tanto árduos, como fáceis. E Ana e Paulo hão de chegar em algum acordo. Talvez Ana, ligue para Paulo. Talvez Paulo, esqueça Ana. Só esperamos que sejam felizes. Para todo o sempre.
13/05/2008
Ode a ti, cebola
Tua alva carne faz cegar os desavisados olhos
Teu sumo ácido faz animar os humores
Dos que querem a força de teu sabor e molho
És temida também por homens outros
Que nada sabem de teus segredos mil
Fechada em manto ora róseo ora roxo
Derrubas a moral até do mais forte e viril
Se dourada já não és mais hostil
Que o amor sem sal, o dia sem açúcar.
A vida sem ti seria pobre e vil
Ainda que para amar-te isso custa
Ceder aos encantos de teu doce-picante
Dentro da boca e de meu restante.
04/04/2008
Vidas Ordinárias III
- João, é Maria, vamos à festa da Nina, vai ter música legal e coisa e tal, queria uma companhia. Você topa?
E João, com seu pobre coração na mão, não podia acreditar. Não era verdade, que ela linda entrando devagar no seu carro,vestido rosa, laço de amarrar no cabelo, ia ser naquela noite, o seu par.
E assim foram, Maria, desajeitada sem saber o que falar, e João, suando as mãos, falando sobre a vida, a viajem à Paraty e o quando se afogou no mar. Daí então, rolou um lance, uma coisa difícil de explicar. Maria, na mão de João pegou, olhou nos seus olhos, chegou perto de sua boca, e assim, sem nem explicação, lançou-se de corpo e alma em um beijo profundo, que coisa louca. Que coisa boa era aquele momento. Tudo durou o tempo de um minuto. Muito rápido, não deu nem pra saber no que ia dar. E então, João se atreveu a falar, o que mais queria, coitado se soubesse o que no fundo pensava Maria.
- Eu gosto de você, quero que você seja a minha menina.
Maria sorriu, arrumou o batom dos lábios, olhou pra fora, a festa cheia de gatos, olhou pra João e disse de supetão.
- Vamos entrar?
Nos olhos dela um silêncio, no coração de João um só lamento. Ele viu, mas não quis acreditar, o amor não existia, e em seu lugar só sobrou a Maria, dançando no outro lado do bar. Foi então que João foi pra casa, desapontado, apaixonado e só. Tentou dormir ao som de rock, foi impossível não pensar no sorriso da Maria, então dormiu sonhando que algum dia, ainda poderia conquistar o coração daquela - vadia? – guria. Quando acordou, se sentiu pior, seu coração sangrava e gritava de dor, na sua roupa o perfume dela, não ia agüentar viver daquele jeito. Tomou coragem, sentou no parapeito, olhou para baixo. Quando fechou os olhos, só sentia o ar na queda livre até o chão. Foi assim o seu fim, sem nenhum glamour, sem nada. Morreu sem conhecer o amor, melhor assim, talvez, pois morreu sem conhecer a dor.
01/04/2008
Nossos dias
Ela acha que somente ela sabe o que se passa em sua cabeça. Mas eu sei também, eu consigo ler em suas expressões cada linha de seu pensamento. Disso ela não sabe, não faz idéia que daqui mesmo, agora, eu posso entender o porquê do seu sofrimento, da sua dor, da sua solidão. Queria poder dizê-la, mas ela não acreditaria em mim, não saberia apreciar o fato de que eu compartilho de seu ódio e da sua desilusão. Queria pegar em sua mão, dar-lhe um beijo leve em seus lábios, tocar-lhe a mente, passar as mãos nos seus cachos, fechar os olhos e abri-los s ao acordar com ela. Posso vê-la de costas agora, pele branca que contrasta com sua jaqueta azul. Já te disse que você se parece com uma pintura? Queria dizer-lhe isso. Sabia que suas lágrimas alimentam a minha esperança de um dia poder secar-las nas mangas da minha blusa? Eu sei disso, mais que você saberia da minha existência.
Tanto tempo que passamos lado a lado sem nenhuma palavra. Ontem, seu silêncio se quebrou, mas não pela boca, não pelas mãos nem pelos olhos. Ontem eu ouvia, de longe, o tocar triste de uma música de jazz, não qualquer, mas uma que ela sempre escuta, e é essa música suas palavras mais belas sobre a tristeza infinita que sente. Uma música que subia e descia, sua intensidade ao fundo é de mar calmo, a escova nos pratos da bateria ia ao ritmo de uma esperança suave que poderia nascer dentro dela qualquer momento, e o trompete, levava para as ruas, um pouco da sua respiração sôfrega como seu pequeno nariz que nunca, nunca respirou muito bem.
Eu sei disso também. Que sua existência dura o tempo de uma manhã quente, quando sai à rua e deixa o sol esquentar seu rosto e seu coração. Fecha os olhos, deixa sentir o calor que sempre lhe negam, sempre lhe escondem nos armários de casa, na sala vazia, no escuro do corredor dos quartos. Você se lembra de mim? Quando nos cruzamos a última vez você ia, de botas pretas e saia e lenço no pescoço, ao encontro de uma resposta. Te dou uma dica, eu estava ali, do outro lado da rua, chapéu, óculos escuros, reparou que meus olhos são verdes como os seus? Um dia vou te mostrar também a minha coleção de jazz, e te fazer uma sopa de tomates, pouco sal e muito amor. Não foi isso que você escreveu no seu diário? Menos sal e mais amor. Nem corpo, nem rio agüentam reter as águas, o fluido.
Mas deixa estar, deixe ser só você, quando se tenta tão só, se compreender, não existe peso demasiado nas revelações. Quem que você quer que te ame? Quem que você quer ser? Eu queria que você soubesse, que com você eu trocaria poemas e cartas de amor, mesmo que a sua saudade naquilo que quer não passe. Mesmo sabendo que você quer mais de tudo. Estarei aqui, te olhando sempre, colecionando momentos nossos, mesmo que estes sejam assim só no pensamento.
06/03/2008
Carta Aberta de Perdão
Queria saber no que vai dar todas essas fichas apostadas no nosso amor, e poder te comprar aquele presente tão lindo que eu vi. Queria estar mais bonita pra quando você chegasse, e já não me sentir só sabendo que você vinha. E poder ser perdoada antes daquele primeiro beijo.
Mas meu amor, me entenda, não fui e não serei perfeita, mesmo querendo, eu só sou eu mesma. Nasci de uma mistura de loucura e alegria. Queria antes de ter nascido, ter escolhido melhor a minha sina.
Então deixemos de lado essa história toda, tentar esquecer os meus pecado, as minhas imperfeições. Me convença que o nosso amor vai ser outro. Vamos começar mais uma vez de novo, como começamos tantas outras. E eu já serei - mais de dez vezes- aquela mulher que você tanto quis.
Ventos
vendaval que vem lento
vem sabido vem de dentro
vem do mundo, aventureiro
vem de ti, vem sem medo
vem moinho e vem centeio
vem centelha, vem vencendo
vem tão sóe verdadeiro
vem vivendo, sorrateiro
vem vindo, vem sendo
vem da vida, vida adentro
vendaval que vem do peito
sorrateiro vem de ti
sem medo do moinho
vem vivendo, vem tão só
é verdadeiro, vem de dentro.
alimento d'Alma
não nutri mais o meu ser.
Um é feito de tristeza
o outro lhe falta tecer
-A luz da vida
que antes vinha
hoje já é sombra-
Os dois se separam
água e óleo no corpo
e fogo que num consome
no outro alastra todo
- Lá no fundo há sementes
como na terra ácida
esperam d'uma morte, asas-
E eu assim dueto
mas sem sonetos, nem canções.
Uma parte é assovio
a outra vela sem pavio.
Ai, quem me dera!
Achar-me feliz neste mundo
de uma vez só completa
as duas partes em uno.
- Mas não me desespero
quem espera sabe:
a vida um dia invade-
Então calma,
a alma cala
enquanto o peito sofre
e choram as duas partes
sem pressa, elas sabem
só o tempo cura.
Astrologia do Eu
hão de dizer o que há de mais profundo.
O que navega no meu ser,
o que vem sem rumo.
Vou ler nos astros o meu futuro,
entender o cometa que passou por mim
e abalou o meu escudo,
e manchou o meu cetim.
Vou ler nos astros o meu futuro, quero ver
se o meu coração responde
aos estímulos do outro mundo.
Vou ler nos astros o meu futuro
buscar o signo que rege
o meu nada e o meu tudo.
29/02/2008
Vidas Ordinárias II
Estava tudo preparado para Paulo passar o reveion mais romântico da vida dele com a namorada em Cancún, quando o inesperado aconteceu. Sua querida mãezinha morreu na véspera do dia 30 de dezembro. Paulo, desesperado, tentou arranjar todo o funeral o quanto antes mas, ironias da vida, por ser final de ano, todas as casas funerárias e os serviços prestados estariam indisponíveis até o dia primeiro, ou melhor, dia dois, pois dia ume é Todos os Santos. Ficou resolvido assim, sua mãe ficaria na geladeira estes dias e logo no dia dois seria enterrada. Cancún ficou para trás. No dia do funeral, todos reunidos:
- Meus pêsames.
- Ela tá com uma carinha, coitada...
- É, resfriada.
-Gripe?
-Não...freezer.
12/02/2008
Vidas Ordinárias I
Só agora que sua vida começou. A sua pequena coleção de miniaturas engraçadas estava completa. O IPVA IPTU e as dívidas do ano passado estavam quitadas. Agora era vida nova, Ana pensou. Tão nova que resolveu fazer um novo corte de cabelo e terminar de vez aquela meia coisa que ela havia começado com um certo alguém. Um equívoco. “dia 1...não, segunda feira, além de tudo, eu começo a ginástica”. Ana ganhou da sua amiga um dvd bárbaro de ginástica com uma super professora chamada tammy. “Se funcionou com ela, vai funcionar comigo”. Pensava ela enquanto comia pipoca e assistia ao vídeo ( pois jamais iria fazer uma ginástica sem antes saber do que se tratava) sentada no sofá, também novo, comprado na Benedito Calixto.
Mas não foi bem assim. As pessoas não podem ser felizes o tempo todo, incluindo ela, que era uma pessoa meio normal meio especial, meio bonita meio feia, meio alegre meio triste, no último ano mais triste que alegre. Não pode ser 100 por cento? Não, não pode, Ana.
Ela ia entrar no chuveiro quando o telefone tocou, pensou em não atender e deixar que a secretária eletrônica se encarregasse disso. Mas estava se sentindo meio só aquela noite e pensou que, quem sabe, não seria alguém com um bom papo?! “Alô, Ana...”. Quando ela ouviu aquela voz, sentiu o suor descer-lhe pelas costas, desligou o telefone imediatamente, precisava fumar e quem sabe beber “ cadê aquele maldito maço de marlboro que esqueceram aqui em casa?Será que ainda tem um finzinho de tequila na garrafa?” Péssima idéia foi ter atendido à aquele telefonema. O telefone tocou de novo, Ana estava muito nervosa, mas resolveu atender:
“Ana...acho que a ligação caiu...”
“Não, a ligação não caiu, fui eu que desliguei, eu achei que não poderia falar com você e, no entanto você ligou de novo, mas a única coisa que eu quero saber é : por que você nunca mais apareceu e quero entender por que me ligou agora, depois de tanto tempo.”
Ah, o amor não correspondido. Ou melhor, foi correspondido e depois abandonado como um lencinho de papel usado. Da mesma forma como ele se apaixonou por Ana e o amor durou por seis meses, um dia ele sumiu. Sumiu de vez, arrasando o coração e a vida de Ana. Arrasando seus pulmões de tanto chorar, arrastando sua alma para um buraco fundo fundo. Para ela, quase não tinha volta, mas este ano era outra coisa....Ia ser outra coisa.
“ Eu queria me desculpar, sou um tolo...Estou aqui aqui em Sampa e queria te encontrar pra tomar um café..”
“Um café???” Ela estava horrorizada pela mesquinhez dele.
“Ana, quero te falar o que aconteceu, te pedir desculpas...te explicar.”
Tudo o que ela queria era aquela metade de seu coração que apodreceu. Sentada no chão com o telefone no ouvido, ela chorava lembrando de tudo de bom que passaram e sofria, como sofria...Havia sido abandonada e agora não tinha forças para dizer não... A voz dele estava tão firme e segura, tão límpida e saudável, Ana sabia que ele não ia voltar pra ela, só iria arrancar mais um naquinho daquilo que sobrava dela.
“Ta, ta bom, eu vou. Em meia hora te encontro no Unibanco.”
Como uma condenada, Ana caminhou até o chuveiro, lavou seus cabelos sem nenhum desejo, passou creme no corpo que passara tanto tempo só. Passou batom e perfume. O que fazer, afinal, não é? O que restava da felicidade que buscava? Todos seus créditos se foram. No carro enquanto dirigia ouvia no rádio uma música triste e seu ano parecia que não iria acabar jamais.