11/11/2008

Vidas Ordinárias V

Paulo acordou assim, meio injuriado, já não era um dia comum, era seu inferno astral. E todos sabem que, os de Touro, possuem o pior inferno astral de todos os signos. Pior até que peixes. Era maio, um mês de muitas revoluções no passado: A invasão russa em praga, o maio de 68 dos franceses, seu nascimento, as flores de maio, os casamentos em maio, o outono. Quantos anos faria? Trinta e três. Nossa… O tempo passou para Paulo, na verdade, foram muitas coisas que passaram por ele, e agora a vida acena, desde seu nascimento, com um esgar de choro. “Ainda estou vivo, mas sinto que já estou morto”.

Pulou da cama com um sentimento novo, uma saudade de partida se apossou dele. Olhou o quarto ao seu redor como se fosse a última vez que ali entraria. Paulo ainda não sabia. Mas nunca mais ouviria sua coleção de jazz novamente. Não era mentira, veio de dentro uma certeza nunca antes sentida, pôs a mão na cabeça, desejou que Marta estivesse ali e com ela faria amor, um amor meio animal, um amor lá de dentro, e agora que sabe que não há volta, poderá dizer: Eu te amei, Marta. Ela iria embora feliz, como nunca antes.

Tocou o telefone, um fervor na espinha subiu:
“Quem é?” Disse Paulo.
Houve um silêncio rápido e sepulcral.
“É a crise.”
Paulo ficou branco, e continuaram do outro lado da linha:
“Ela chegou.” Desligaram o telefone.

Que coisa horrível! Então era isso que ele estava esperando. Ligou a TV. Realmente, ela tinha chegado, foi tão de repente. Pela tela via uma multidão ocupando a Avenida Paulista. Pesadelo, pensou. Sentiu uma angustia muito grande. Passou em outro canal, em Nova York, as pessoas se digladiavam com dólares numa mão e sacos de comida na outra. Paulo não entendia nada, até ontem era tudo uma calma e, de repente, a crise veio como uma enxurrada. Tentou ligar para os amigos, as linhas estavam todas ocupadas, pela sacada podia ver que o comércio havia fechado suas portas por medo de saques. O céu estava cinza. Era o fim.

Entrou na internet para procurar mais notícias e tudo o que lia era uma história de horror. Não haviam previsto tal crise, não se sabia o que ia acontecer, o futuro era incerto. Paulo não podia acreditar. Ficou deprimido. Logo hoje, o dia em que tudo poderia ter sido diferente, seu calendário estava marcado de caneta azul com a letra de Marta: Faltam 30 dias e meu amor só cresce.
Odiou Marta e seu amor estúpido por coisas que ainda aconteceram. Odiou ser quem era, odiou os bancos, a crise.

Não tinha para onde correr, o mundo estava em crise e não tinha sequer uma esquina onde se abrigar. Pegou sua moto, chovia cântaros, as gotas grossas batiam na frente de seu capacete e molhavam seu corpo, corria a cem por hora em direção a marginal. Não é possível, pensava. Pelo retrovisor da moto um vulto o seguia, era delírio, só podia. É hoje, finalmente. Quando aumentou a velocidade da moto, uma adrenalina forte tomou conta de tudo, fechou os olhos e deixou que a moto o guiasse para seu fim. Em um segundo seria só paz, só noite, só ele e Deus. Pensou antes de morrer: que vida boa levava os peixes, que tudo o que precisavam fazer era, esperar ignorantes da sua própria existência, a comida e a morte. E então, o rio Tiête, faminto engoliu Paulo, abocanhando sua alma aflita para todo sempre.

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