20/03/2006

não leio

Não leio mais livros. Não vou mais ao cinema. Não quero saber de exposições aos sábados. Meu último cigarro eu vou fumar daqui a pouco, e então, tudo estará acabado. Retiro-me dessa vida social inerte e vazia. Me entregarei à mais das ineficientes formas de se viver. Vou dormir pouco ou muito, como me convier. Não quero mais atender aos telefonemas, e aquela garrafa de uísque que antes eu bebia com prazer, vou bebê-la em um só trago, em protesto de um homem só, aos nadólogos de Honoré de Balzac que nos obriga a tudo apreciar moderadamente. Um trago, um canapé,uma risada. E assim, infinitamente até o consenso comum de que no fim de um bom papo, não se falou nada, absolutamente nada sobre nada.
Um dia, estava em um bar qualquer (hoje evito falar sobre meu passado social), quando uma rapariga ainda cheirando a leite me estende a mão e me oferece. “A pílula azul ou a vermelha?”, veja bem, não sei até que ponto a minha narrativa é real ou puro devaneio, mas acreditei e quase que sem pensar me entreguei a um suicídio coletivo, pílulas, uísques, orgias, e no fim ser massacrado pelo amor daquela ninfetinha, punhos cortados, sangue, sublime redenção. Olhando nos olhos dela eu disse “Ora garota, não é muito jovem para vender drogas?”. Entenda porque me entreguei. Entenda como sou, eu penso como um perdedor, não me resta saída senão a declarada no parágrafo acima.
A ela restou rir para mim com desdém, e me explicar, como se explica aos velhos aonde se mija, que “ A pílula azul, meu, é...a ilusão, saca? Maia e essas coisas, são as mentiras que vivemos todos os dias. Agora a vermelha, essa é ducaralho, é a pílula da verdade, se você escolher tomar essa,estará escolhendo o caminho certo, da luz e...”, no fim eu já não mais ouvia ela, só me concentrava em duas palavras: verdade e mentira, ilusão e realidade. Sai do bar embriagado e decidido, e de saco cheio de todas essas coisas, mentirinhas e mesquinharias que vivemos. Então resolvi fazer isso, resolvi ser eu mesmo. Me livrar dessa máscara rançosa de falsos bom dias e boa tardes.
Na última vez que sai com uma garota fomos a uma exposição, e eu me vi tentando impressioná-la com palavras intelectulóides copiadas de livros que li, tentei rimar amor com dor da forma mais medíocre. E ela também, uma falsária, abraçando desesperadamente os panfletinhos explicativos da exposição, para poder chegar em casa e vomitar tudo decorado o que aprendeu em sua magnífica tarde. É por essas e outras que me sinto vazio. Olho em volta me autoprovocando um distanciamento e percebo que todos os outros de terno e gravata estão vomitando coisas vazias. Vão chegar em casa e trepar com a mesma mulher a cem anos, e tudo o que eles construíram na vida vai se transformar numa migalha de satisfação.
Não quero mais ouvir os meus cd´s de jazz, os melhores já estão mortos. Sobre o que vamos falar agora? OS diálogos são repetidos ad nauseum , as frases feitas, as piadas nas horas certas. Um trago, um canapé,uma risada. O olhar cintilante do álcool, não permite que as pessoas sejam elas mesmas. As mulheres atrás de seus blush e batons vermelhos, percorrendo os salões da pinacoteca em dia de vernissage. Pisoteando cada pedaço de cultura, cada centímetro da arte ostensivamente com seus saltos alto. Considero tudo isso um desaforo, uma cuspida na minha cara. Não suporto mais conviver no limbo desse mundinho cruel que é o mundo das artes plastificadas, dos intelectuais deprimidos e decadentes em seus sofás de coro recitando Platão, das mulheres gordas de ministros gordos.
Tudo isso e por tudo isso que considero minha vida uma fraude, um erro no caminho do conhecimento. Quero deixar o meu testemunho sobre o tédio que sinto do que as pessoas não consideram tédio. Quando me encontrarem no quarto bêbado e drogado de lexotam, e de tantas outras pílulas vermelhas e azuis. Não se preocupem, não de ocupem de minha merda no lençol. Quero me entregar ao sebo do esquecimento, ignorar todo o mundo que gira lá fora sem a minha estonteante presença. Não quero saber das últimas peças estreadas, nem quero ouvir os gritos distantes de uma ópera qualquer.
Para mim acabou. O mundo já não me pertence. Quero me deteriorar no ócio do esquecimento.

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