20/03/2006
A última
Quando abri a porta, por debaixo dela havia mais uma carta atravessada no vão. Pela cor do envelope eu soube de imediato que era dela. “André, não existe mais nenhuma extensão entre nós dois. Não existe mais a ponte que tanto nos distanciava. Aquela foi a nossa última dança”... Nunca soube de nenhuma ponte entre nós, nunca me dei conta de tamanha extensão, mesmo quando dormíamos separados na cama, depois de alguma briga, eu não via a extensão; Eu a chamei pra sair e de cara topou; nossa última dança, depois de tantas. Apareceu na porta do prédio dela com aquela meia-calça arrastão, verde, tão moderna. Salto alto preto, o batom vermelho que eu dei pra ela da minha última viajem a Paris, com o qual ela beija todas essas inúteis cartas que me escreve. Os cachos dos seus cabelos, nesta noite, estavam mais bonitos, o que dava a ela uma cara de anjo demoníaco. O que você quer fazer, tomar um drinque? Ah, seilá, que tal sair pra dançar?Queria estrear a minha meia nova... Ela já havia comprado uma nova, senti enfim o distanciamento, aquela coisa de passado quando já não fazemos mais parte da vida do outro. Com a boate cheia, eu sentia o corpo dela toda hora perto do meu, a textura da meia calça, toda vez que minha mão roçava as pernas dela me excitava. E eu só pensava em tê-la, com aqueles cachos sobre seu rosto. Eu ainda via desejo em seus olhos, e no seu modo de dançar toda dada, não pra qualquer um, mas pra mim, ela dançava pra mim aquela noite, sob o som de Depeche Mode, Prince , Rolling Stones. Você tem que aprender a gostar de rock. Ela me dizia isso como se tivesses anos luz de diferença um do outro. E você tem que aprender a falar menos palavrão. A mão dela me pega pela nuca e me convida para o salão, The Cure, aquela música que a gente sempre escutava enquanto transávamos, desta vez ficou só de fundo. Eu só pensava em tirar a meia calça dela, e ela, sentindo que me excitava cada vez mais, fazia que não sabia, e juntava cada vez mais o ventre dela ao meu. Vem pra casa comigo?. André, você sabe....O hálito dela, mesmo que tenha fumado um maço de cigarros, era um hálito doce, macio...Eu agora não posso mais ficar com você.Então porque aceitou sair comigo? Porque você dança bem, e essa será a nossa última dança. Eu não podia acreditar, eu sei que não ficaríamos mais juntos, mas a pré-visão dela, com outro homem... Provavelmente, ela usa a mesma trilha sonora quando vai pra cama com ele, os mesmos motes, as piadinhas. E esses cachos dos seus cabelos, soltos no rosto dela quando dança, fazendo troça mim. Ana, a gente ainda vai se ver? Claro...Claro que sim. E foi assim que ela saiu da minha vida, e que suas cartas começaram a chegar, uma depois da outra, algumas mais alegres, outras já nem tanto. Eu não respondo, e ela continua a mandar, religiosamente, como se eu fosse o seu único cúmplice de tudo o que ela sentia. “A vida me mostrou como bailar, e se algum dia eu te encontrar num bar, você me paga o drinque, e eu te concedo a dança. Saudades, Ana.”
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