07/09/2006

Solidão é Elementar.

Quem mais entraria por aquela porta? Talvez, mas somente talvez, existisse a possibilidade de ninguém entrar lá. Nunca mais. E um dia a espera se tornaria obsessão, e a obsessão solidão e esta em angústia. Daí ela teria que ligar para todas aquelas amigas com as quais não fala há anos. E teria que falar porque está ligando. Seria muito mais difícil do que simplesmente ficar esperando. A eterna espera, a espera poética, a espera dramática, a espera crua, dolorida. Ainda não sabia qual delas estava sentindo. Só sabia que sabia aquilo. Faltava algo mais e isso causava toda essa problemática acima. Quando finalmente começasse a escutar o tic-tac do relógio de pulso escondido na gaveta de calcinhas, era hora de sair do transe, de largar todas essas idéias de lado. “Morar sozinha é uma merda”.Essa hora crucial que é as três da tarde do sábado, quando tudo para, momento de transição da parte do dia, para a parte da noite. Não queria mais preencher mais essas três horas que faltavam para o anoitecer com coisas úteis. “Terei que esperar, esperar, esperar”.Talvez por que a sua mudança tenha sido tão repentina, não havia passado em sua cabeça que existiria o momento da solidão, quando os móveis, o carpete, a lâmpada começam a tomar conta do espaço de um modo particular, como se esses objetos não fizessem parte somente da estrutura da casa, mas de si. Eles, mais que ela, pertenciam àquele mundo. Levantou-se, ligou o rádio, ensaiou olhar para a cozinha e ver se lhe apetecia lavar os pratos. Não, aquilo não dava tesão nela, para ela, limpar a casa para preencher o tempo era coisa de Madalena, e ela, obviamente, não cabia àquele posto. Olhou para porta, pelo olho-mágico podia ver a vizinha entrando no apartamento da frente com as compras da semana, e seus três filhos carregando, cada uma sacolinha: maçãs da Mônica, suquinhos de soja, balinhas de hortelã. “ Será que seu tivesse filhos ia ser melhor? Me sentiria menos só, menos angustiada?” , “ Talvez fosse pior, mãe solteira, esperando que algum se compadecesse da minha situação e falasse: cuidarei de sua cria, como se fosse minha, e nos mudaríamos para uma fazenda no interior da França ou da Espanha e cultivaríamos laranjas.”, “Que idiotice!!!!”. Ainda eram três e meia e parecia que tantas coisas já haviam acontecido. O pensando dela não parava, mas não queria buscar algo para fazer, queria que esse algo a encontrasse. Por isso a espera, por isso a música no rádio. A vontade de fazer algo na verdade não existia muito, existia sim uma inquietação interior, uma mistura de café com leite ou chá. Não queriam que ligassem para ela propondo a balada da noite, queria na verdade estar daquele jeito, naquele instante. Aquela espera era somente o nada. E o nada também era bom, pensava ela. O apartamento não estava todo mobiliado ainda, tanto por fazer! Uma poeira suave cobria todo o chão, nele ela escreveu seu nome, sorriu e se deitou no sofá. Acordou umas horas depois. “Nossa! Já são quase sete!”. O frescor da noite entrava pela sua janela, preguiçosa deixou que o silêncio mais profundo ainda penetrasse seus ouvidos. Pegou o jornal e leu a programação da noite da tv. Aquele filme que ela tanto queria ver ia passar, as oito horas. Tomou um banho, comeu um misto quente, se jogou na cama. Agora já era noite, agora não tinha mais que esperar por ela, e nem por nada, não tinha mais transição, somente noite. O telefone toca uma vez, mas ela não atende. Não se sente mais só, está satisfeita por enfim, ter o seu próprio apartamento. E estando sozinha, afinal, não estava só. Estava ela, ali. Ela mesma. Pensou : Solidão enfim, é elementar.

Um comentário:

Anônimo disse...

minha musa dos doces olhos verdes:
estou no nyt nesse feriado tranquilo, preguiçoso e metafísico, siete de septiembre. sua cronica acalentou meu espírito.
pq nós, individualistas, racionais e introspectivos, entendemos a importância do devir - eremita.
te amo.
paula.