12/09/2006

Impressões de Madrid I

Pela janela do meu quarto, posso ver, de um prédio antigo e um pouco mais baixo que o meu, partes de uma outra sala de jantar. Através da pequena janela arte deco, uma cortina de flores, um par de mãos brincando com uma caneta e um papel. Não existe rosto, só braços, um pedaço de mesa e mistério. A está hora, um cansaço paira sobre a cidade de Madri. Parece que o tempo para, as lojas estão fechadas, o trânsito tranqüilo, o calor escandaloso que permeia todos os ambientes, o gelo se desfaz rápido e a sensação é quase de uma claustrofobia, tamanha a densidade da secura do ar.
Através da outra janela, olho a calçada lateral do prédio menor. Lá fora dois bancos de praça, um senhor pintando umas telas.Sua voz penetra em meu quarto, que será que ele canta? Não consigo decifrar as suas palavras, mas canta alto, com força, olhando para as pessoas que por ele passam. Canta como que para estampar uma certa solidão, uma melancolia que talvez seja mais minha do que dele. Eu o conheço desde ontem, mas acredito que já está nesse banco, nessa mesma esquina, uma eternidade; anos a fio; estações inteiras. Com suas palhetas de cores foscas, pequenos quadros de pinturas abstratas. A sua música me faz companhia. Mas acho que o calor o venceu também, como venceu a toda a cidade. Calou-se, e por ora, só posso observar os seus quadros silenciosos. E tudo o que ouço é ao longe o vagaroso movimento da cidade.

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