09/09/2006

Bingo


No Bingo

O Bingo do bairro era o melhor da cidade, com letras escritas em néon azul e vermelho: Tropical City, O bingo dos Sonhos. E era dos sonhos mesmo, o prêmio mínimo da linha era 1.000 reais, e a cartela, nossa! Se cantasse bingo antes da 46 bola era batata! 12.000 reais, e depois tranqüilamente podia se ganhar, com paciência, 10.000 a cartela cheia. Ou seja, só louco para perder a oportunidade de sua vida. Foi lá que Dora, Doralice, conheceu Dinda; “ Apelido carinhoso de meus netos, meu nome mesmo é Rosalyce, com ipsulon ” Até os nomes eram parecidos e isso foi só o começo de uma grande amizade. Todas as tardes, Dora e Rosalyce se encontravam lá pelas 3, tomavam um café com conhaque e partiam para o bingo. Lá, entre uma partida e outra trocavam confidências sobre família, eventuais trabalhos, dicas sobre a casa e até, quem diria, coisas do coração. Num desses dias de bingo, Rosalyce ganhou um segundo bingo de 500 reais, e um pouco desapontada fez uma confissão para Dora, “Ai, Dora, ando tão cansada menina...” “ Cansada de quê?” perguntava Doralice, “ De tudo, já não tenho mais idade para cuidar de netos e no fundo, queria era mesmo contratar alguém que pudesse me ajudar...nessas coisas da casa, arrumar meu cabelo, me fazer a sopa de legumes, que Deus sabe onde eu coloquei a receita, aliás, só Deus pra saber metade das coisas que eu ando esquecendo”. Doralice então abriu um sorriso, o mais simpático que pode e como quem se sente a última samaritana disse, baixo, no ouvido de Rosalyce, “ Olha,não te falei isso antes, mas te falo agora, Rosalyce, eu, euzinha aqui, era enfermeira nos meus tempos de menina, claro que hoje não sou tão mais nova que você, mas se quiser adoraria ser sua acompanhante, afinal, somos amigas a tanto tempo, e eu te estimo tanto que...” Parou por um momento, alguém lá no fundo tinha cantado bingo, Dora olhou em volta, pois fazia um silêncio secular e disse: “ Eu posso cuidar de você Rosalyce. A gente faz um bom trato. Que que você acha?” Rosalyce quase chorou de tanta emoção, quanta bondade meu deus, quanta generosidade...Pediu uma água pro garçom e um pouco de sal. “ Ai Dora, que seria de mim sem você”.

Uma Semana Depois

Em poucos dias Doralice já estava íntima da casa de Rosalyce, esta já havia dado as cópias de todas as chaves, incluso a do armário de guloseimas no fundo da cozinha. Doralice fazia seus afazeres normais na casa, o café da manhã, um pouco de arroz com frango no almoço. Às três, as duas partiam para o bingo, onde ficavam até a noite, quando voltavam para a casa de Rosalyce, Dora a preparava a sopa de legumes, que Rosalyce já havia confessado que era melhor que a receita que ela tinha perdido anos atrás.

***
A casa de Rosalyce era uma dessas casas antigas em um dos pontos mais altos e mais centrais do bairro, uma casa que ela tinha herdado do marido quando o pobrezinho faleceu, consta que foi atropelamento, “ Mas eu não tiro da minha cabeça, Dora, que o Joca morreu mesmo foi de mal olhado. Alguém fez que fez, que meu marido morreu, assim, sem mais nem menos.” Dora, no fundo, gostava de Rosalyce, eram boas companheiras de bingo, as conversas sempre duravam horas, infelizmente, e isso realmente pesou na sua decisão: Rosalyce não a pagava muito, o trato tinha sido justo: Um salário e três partidas de bingo ao mês. Rosalyce não podia pagar muito mais que isso, além de ser aposentada, pagava para Dora com um dinheiro que havia guardado por anos, tanto do bingo como o que seu filho mandava todos os meses para ela, para ser usado em um caso de emergência, como este.

A Decisão

Um dia Dora chegou muito mais cedo que o normal na casa de Rosalyce, ao longe ela podia ver que Rosalyce estava distraída brincando com seus netos no jardim. Silenciosamente, foi até o quarto e, com a chave reserva que tinha feito abriu o armário onde Rosalyce guardava suas economias. Muito surpresa ficou Doralice quando, ao abrir o armário, nada encontrou a não ser uma caixa com uma coleção de broches art-deco. Um mau humor tomou conta de Dora, que por todo esse dia mal conversou com Rosalyce. “ Nossa, Dora, que que aconteceu com você hoje? Salgou o arroz menina, que chega que me dói a garganta.”, a este comentário Doralice respondeu dizendo apenas que estava gripada, e por isso errou na dosagem. “ Rosalyce, que quê você acha da gente ir um pouco mais cedo hoje ao bingo? Ouvi dizer que os prêmios das duas vão ser melhores que o prêmios das três da tarde....”, “ Ai, Dora, não sei.” “ Que não sabe, boba” disse Dora, vai querer perder essa change? Lembra da última vez que fomos, foi uma maravilha. Rosalyce se lembrava da sorte que teve aquele dia no bingo, se arrumou, colocou perfume, entraram no carro e foram ao bingo. A todo o momento Doralice ficou distante , Rosalyce tentava animá-la pagando umas cartelas a mais do que de costume. Mas nada, de repente, Dora se levanta bruscamente, vai ao banheiro e quando volta diz “ Vamos querida, vamos embora, este bingo está uma porcaria hoje.” Rosalyce não querendo estragar mais ainda o humor de Dora, e já prevendo a sua sopa salgada no jantar, não disse nada e se foram.

O Acontecimento.

Chegando em casa Rosalyce foi ver tevê e acabou pegando no sono, e Dora foi fazer a sopa. Ao perceber que Rosalyce já dormia, Dora foi à sala, pegou uma almoçada e pensou “ É hoje que eu mato essa velha!”. Bem devagar foi se aproximando de Rosalyce, que roncava profundamente. Mas, inesperadamente, acorda e dá de cara com Dora e uma almofada perto de sua cara.
“ Mas Dora, que quê se passa aqui? O que está acontecendo?”
“Ora Rosalyce, não se faça de boba, cadê todo aquele dinheiro guardado, cadê?’
“ Mas Dora, por que? Por que?”
“ Chega Rosalyce, boa noite.”
“Não Dora, Não..”

A voz de Rosalyce foi sumindo aos poucos, com força Dora sufocava sua cabeça contra a almofada. Ao perceber que a velha estava morta, juntou tudo o que podia e, facilmente descobriu que a velha, oras essas, tinha guardado o resto do dinheiro em um pote de biscoito. “ Que tola” ria-se Dora. Sem pensar duas vezes, pegou o carro e se mandou pro bingo. Pobre Rosalyce, que morreu sem saber ela que o grande prêmio não era o das duas, mas sim os da sete da noite.

Nenhum comentário: