27/01/2009

A Menina Semente

Algumas coisas na vida vêem assim para ela, se parecem com pequenas estações. Pequenos outonos em amarelo chá, manchando a copa das árvores de seu jardim. E as folhas, ligadas tão suave e docilmente pelos seus caules que um vento leve pode solta-las dos galhos para preguiçosas morrerem na grama.

Estação da mudança interna, renovação para a verdadeira primavera escondida em sementes. Com um de seus dedos molha os lábios com mel e pimenta, deixar escorrer pelo canto do rosto uma lágrima dourada e doce. Olinhos de olivas, fechados contra o sol fraco da tarde. Ela ainda não sabe o que procura. Mas quer intensamente sentir o sabor desta tarde, tão única.

É muito rápida a vida, então respira fundo e segura o ar em seus pulmões aveludados, tarde sabor de avelã. Como parar o tempo? Se pergunta. Tudo podia ser sempre verão, areia fofa numa praia linda e deserta. Quando se dá conta mais um dia se passou, mas não vai chorar dessa vez, não é?

O que sente é a presença esmagadora e divina do mundo contra suas costas, suas pintas rosinhas se contraem e ficam vermelhas, se juntam formando desenhos desordenados na sua pele de leite. Sente-se cada vez mais sufocada com a pressão, seu rosto também se torna rosa, os pensamentos se anuviam e ela enfim cai profundamente por cima das folhas.

Sonha que tomava um chá de sabor intenso, sabor de grama molhada. Ela ria alto e dizia para uma outra pessoa que poderia simplesmente escolher qualquer um daqueles bombons, que tudo bem não saber afinal se iria gostar ou não, o importante era morde-los bem devagar, sugando aos poucos o licor de seu recheio, sorver devagar e deixar que o sabor se alastra pela língua toda, pela garganta. Ela acha graça na arte de se comer bombons.

Quando acorda já é noite, o mistério das estrelas reluz mil anos luz de sua cabeça. Ainda é outono, caminhando pelo pátio consegue ver na contra luz os galhos despidos, a cada passo o barulinho da secura crocante sob seus pés a faz sentir um pouco de medo e tristeza. É triste ser um galho seco, seria triste morrer nua, sem folhas nem flores.

Agora ela já sabe o que quer, na verdade, gostaria de não morrer nunca, como uma árvore milenar. Eternamente dando frutos e sementes e mais árvores. Povoar o mundo com a eternidade vegetal e orgânica. Tronco em riste olhando para o céu, buscando o calor do sol para alimentar a sua seiva, enfiar as suas raízes para o fundo da terra procurando a água fria, ser abrigo e alimento da fauna e dos homens. E poder ficar no seu silencio despretensiosamente vendo as estações passarem ao sabor das eras.

Decide então com as mãos cavar um pequeno buraco, começou enfiando uma só mão na terra fofa e depois a outra, e depois a outra e a outra novamente, sem parar e conforme cava a terra foi ficando mais úmida, mais perfumada e mais escura.

Quando termina já é quase de manhã, percebe que o buraco é grande o suficiente para que caiba seu corpo todo, deita então no leito, por cima de si coloca algumas folhas e alguns galhos, busca com as mãos pedrinhas para cobrir seus olhos, sua boca e seus ouvidos. Ao poucos se cobre com toda a terra até desaparecer da superfície.

Esta tudo bem agora, é tudo tranqüilidade e paz. Finalmente seria como as outras árvores. Ela não sabe, mas na estação seguinte renasceu como um pessegueiro muito macio e doce.

Um comentário:

Anônimo disse...

Cada vez mais legal...