Houve um tempo em que o amor era somente uma coisa boa. Para os dois era, até então,sentir o calor emanado vir de todas as direções, era sentar num fim de tarde e sorrir para o pôr-do-sol, todo dia mais belo, todo dia mais formoso. Era enfim, amar e ser amado.
Mas daí, aconteceu. Não me lembro se foi apenas dentro do olhar que aquilo cresceu, ou se veio de um outro lugar ainda mais longo e sombrio. Pensando bem, pedaços daquele terremoto estavam espalhados em vários cantos, e um dia, por uma faísca de fogo, eles se concentraram, se uniram e explodiram. Ali na sala, naquele canto verde, bem ali, no finalzinho.
O amor e as trevas possuem a mesma medida e ,se de um lado derrama, acaba esbarrando no outro que, inundando, derrama também. Todo o resto do corpo fica descompensado. As ondas querem sair pela boca, que vai espumando e trazendo junto com a espuma, palavras grandes como tormentas, palavras duras como pedras, pesadas como cimento, afiadas como lâminas. E foi assim, por conta de uma faísca, que o sol daquela tarde se pôs mais depressa e uma nuvem escura e carregada de chuva, avançou sobre o céu de São Paulo.
Por um átimo eles já não eram mais amantes, já não podiam ouvir mais a voz um do outro. Era insuportável o grunhir de raiva, de tristeza, de desapontamento. Mas por quê? Porque existem lugares a onde não se pode entrar duas vezes, ela diria; ao que ele retrucaria respondendo que só o espelho não dá conta de refletir, sozinho, o que realmente somos. Para ela, os erros eram passíveis de esquecimento, mas infelizmente, nem sempre se esquece e rastros ficam voltando à tona, migalhas tortas, que grudam, como aquelas bolas de pelo de gato, que saem do tapete e vão parar na sua blusa.
E por conta de todas essas migalhas coladas umas as outras, ela percebeu quão grande eram os seus erros. Agora esquecer não poderia mais e se tivesse um pote de cola e uma borracha, usaria sem parcimônia no coração do amado. Ai...quanta dor que foi sentida. As palavras mais doces não serviriam para consolar a miséria crescente dele. Se pudesse ela fechar os olhos, tampar a boca e os ouvidos durante todo um dia, se pudesse, se. Mas agora, vendo que também chove nas ruas e não só lá dentro, tudo parece um pouco menor. Agora, que o outro dia amanheceu ensolarado,e o fogo que fora ateado cessou de arder, ela consegue respirar. Ela pode olhar para o seu rosto no espelho e ver um pouco mais do que só pele.
Mas ainda assim ela sabe, só o tempo cura, já diziam, as mazelas de um coração ferido. É difícil entender como funciona os processos do amor. Porque mesmo que ele seja grande, ainda assim é capaz de acabar tão mais rápido quanto nasceu, e o outro, perdido na guerra, se vê abandonado na imensidão daquele sentimento, sem poder dizer pra ninguém, que tem medo da solidão.
Aliás, solidão é do que ela mais tem medo. Nesses tempo, onde as pessoas não querem mais ouvir umas as outras, o ombro do querido amado é o seu grande divã. Mesmo que pra poder falar o que sente, ainda é preciso um caderno, e ela vai escrever pra ele uma carta de amor. Mais ou menos como aquelas que antigamente se escreviam para o grande amor que estava no front de guerra. “ Amor meu, ainda estou aqui, te esperando. Não morra. A sua torta preferida, ainda está na janela...”
03/09/2009
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3 comentários:
bem bom. me remeteu (talvez por caminhos não muito explicáveis, talvez pelo amor e sua contaminação)ao 'O Vermelho e o Negro' do Stendhal.
porra
...a torta na janela pode estropear o precesso natural do Tempo...
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