04/04/2008

Vidas Ordinárias III

Jaz aqui o coração de João. Houve um dia, isso muito antes de conhecer Maria, que ele batia e sorria para o mundo. Depois não, pobre João. Maria era boa, boa demais para qualquer um. Até conhecer João, um bobo que apesar de tudo conquistou o seu coração. João até conseguiu por amigos do colégio, enviar-lhe uma carta, cheia de paixão. Maria, pobre menina, foi assolada pelo rapaz, noite e dia, dia e noite. No fundo até gostava; esse João, por mais nada que fosse, tinha um carisma que não tinha os outros caras. Foi atrás dele, respondeu até a uma chamada, deixou recados:

- João, é Maria, vamos à festa da Nina, vai ter música legal e coisa e tal, queria uma companhia. Você topa?

E João, com seu pobre coração na mão, não podia acreditar. Não era verdade, que ela linda entrando devagar no seu carro,vestido rosa, laço de amarrar no cabelo, ia ser naquela noite, o seu par.

E assim foram, Maria, desajeitada sem saber o que falar, e João, suando as mãos, falando sobre a vida, a viajem à Paraty e o quando se afogou no mar. Daí então, rolou um lance, uma coisa difícil de explicar. Maria, na mão de João pegou, olhou nos seus olhos, chegou perto de sua boca, e assim, sem nem explicação, lançou-se de corpo e alma em um beijo profundo, que coisa louca. Que coisa boa era aquele momento. Tudo durou o tempo de um minuto. Muito rápido, não deu nem pra saber no que ia dar. E então, João se atreveu a falar, o que mais queria, coitado se soubesse o que no fundo pensava Maria.

- Eu gosto de você, quero que você seja a minha menina.

Maria sorriu, arrumou o batom dos lábios, olhou pra fora, a festa cheia de gatos, olhou pra João e disse de supetão.

- Vamos entrar?

Nos olhos dela um silêncio, no coração de João um só lamento. Ele viu, mas não quis acreditar, o amor não existia, e em seu lugar só sobrou a Maria, dançando no outro lado do bar. Foi então que João foi pra casa, desapontado, apaixonado e só. Tentou dormir ao som de rock, foi impossível não pensar no sorriso da Maria, então dormiu sonhando que algum dia, ainda poderia conquistar o coração daquela - vadia? – guria. Quando acordou, se sentiu pior, seu coração sangrava e gritava de dor, na sua roupa o perfume dela, não ia agüentar viver daquele jeito. Tomou coragem, sentou no parapeito, olhou para baixo. Quando fechou os olhos, só sentia o ar na queda livre até o chão. Foi assim o seu fim, sem nenhum glamour, sem nada. Morreu sem conhecer o amor, melhor assim, talvez, pois morreu sem conhecer a dor.

01/04/2008

Nossos dias

Ela acha que somente ela sabe o que se passa em sua cabeça. Mas eu sei também, eu consigo ler em suas expressões cada linha de seu pensamento. Disso ela não sabe, não faz idéia que daqui mesmo, agora, eu posso entender o porquê do seu sofrimento, da sua dor, da sua solidão. Queria poder dizê-la, mas ela não acreditaria em mim, não saberia apreciar o fato de que eu compartilho de seu ódio e da sua desilusão. Queria pegar em sua mão, dar-lhe um beijo leve em seus lábios, tocar-lhe a mente, passar as mãos nos seus cachos, fechar os olhos e abri-los s ao acordar com ela. Posso vê-la de costas agora, pele branca que contrasta com sua jaqueta azul. Já te disse que você se parece com uma pintura? Queria dizer-lhe isso. Sabia que suas lágrimas alimentam a minha esperança de um dia poder secar-las nas mangas da minha blusa? Eu sei disso, mais que você saberia da minha existência.

Tanto tempo que passamos lado a lado sem nenhuma palavra. Ontem, seu silêncio se quebrou, mas não pela boca, não pelas mãos nem pelos olhos. Ontem eu ouvia, de longe, o tocar triste de uma música de jazz, não qualquer, mas uma que ela sempre escuta, e é essa música suas palavras mais belas sobre a tristeza infinita que sente. Uma música que subia e descia, sua intensidade ao fundo é de mar calmo, a escova nos pratos da bateria ia ao ritmo de uma esperança suave que poderia nascer dentro dela qualquer momento, e o trompete, levava para as ruas, um pouco da sua respiração sôfrega como seu pequeno nariz que nunca, nunca respirou muito bem.

Eu sei disso também. Que sua existência dura o tempo de uma manhã quente, quando sai à rua e deixa o sol esquentar seu rosto e seu coração. Fecha os olhos, deixa sentir o calor que sempre lhe negam, sempre lhe escondem nos armários de casa, na sala vazia, no escuro do corredor dos quartos. Você se lembra de mim? Quando nos cruzamos a última vez você ia, de botas pretas e saia e lenço no pescoço, ao encontro de uma resposta. Te dou uma dica, eu estava ali, do outro lado da rua, chapéu, óculos escuros, reparou que meus olhos são verdes como os seus? Um dia vou te mostrar também a minha coleção de jazz, e te fazer uma sopa de tomates, pouco sal e muito amor. Não foi isso que você escreveu no seu diário? Menos sal e mais amor. Nem corpo, nem rio agüentam reter as águas, o fluido.

Mas deixa estar, deixe ser só você, quando se tenta tão só, se compreender, não existe peso demasiado nas revelações. Quem que você quer que te ame? Quem que você quer ser? Eu queria que você soubesse, que com você eu trocaria poemas e cartas de amor, mesmo que a sua saudade naquilo que quer não passe. Mesmo sabendo que você quer mais de tudo. Estarei aqui, te olhando sempre, colecionando momentos nossos, mesmo que estes sejam assim só no pensamento.