28/11/2007

Insônia

Maria passou a noite toda acordada pensando no sol da manhã seguinte. Tinha uma música na cabeça que, neuroticamente, repetia-se: levante as mãos e daí glória a deus... Levante as mãos e daí glória a deus. De repente já era 5:30 da matina, a luz do dia começava a entrar pelas frestas da cortina e agora ela já não podia mais dormir, ouvindo os pássaros, a música incessante na sua cabeça. Levantou-se de um pulo e pensou ela mesma em rezar, poderia rezar qualquer coisa, contanto que a fizesse descansar a mente daquele refrão e poder, pelo menos, cochilar uma hora. Logo já eram sete e meia da manhã, Maria levantou-se, tinha os olhos e os lábios inchados, um peso em suas costas a fazia ficar curvada e sem vontade. Olhou-se no espelho e o que via era um vulto de si mesma. Uma mistura de sono com o desejo de que aquilo passasse por completo. “Não vou agüentar, não vou conseguir.” Tomou uma ducha e enquanto a água caía pelo seu corpo, chorava junto. Um chorinho miúdo, esquecido dentro dela por muito tempo. “Ai que vontade de não ser... De virar água da água e ir pra sempre por esse ralo” Falava em voz alta, depois resmungava qualquer palavra.

Na rua o sol queimava com força seus olhos, Maria sentia sua boca rachando quanto mais andava naquelas calçadas. As pessoas do ponto de ônibus cheiravam a bolo de fubá, o odor do tabaco queimando pairava no ar e de repente ela sentiu um desejo de fumar também. Busca alguém na rua que esteja fumando, lá longe ela vê um daqueles senhores que carregam uma placa no pescoço. Foi até lá “ Moço,o senhor pode me dar um cigarro?” “O fia, só tenho derby, cê fuma?” A simplicidade da oferta daquela pessoa, quase comoveu Maria a ponto de chorar. No pescoço dele tinha uma placa pendurada onde se lia : Seu futuro está em suas mãos. Empréstimos a baixo custo. Ela ascendeu o cigarro, olhou nos olhos tristes daquele velho pobre, pensou que poderia fazer um cheque de duzentos reais e dar pra ele(toma moço, vai comprar uma camisa nova, um livro pra sua filha, um tênis pro seu neto). Por que ela não fez isso então? Por que não doava assim como ele doou seu simples cigarro? Ela já ia dar as costas quando o velho falou pra ela bem assim “ Fia, cê acredita em deus nosso senhor?” “Talvez, não sei bem, acho que sim...Por quê?” “Pega na mão do divino fia, que com ele a gente nunca ta só.” “O que foi que o senhor disse?” “Disse nada não,f ia.” E se virou e foi embora.

Ela teve a certeza de que tinha ouvido aquele senhor pronunciar tais palavras, ou era a insônia, ou ela realmente havia passado por uma experiência religiosa. Quando o procurou com os olhos ele já havia cruzado a avenida e estava descendo por uma rua. Maria teve que sentar, procurou o celular na bolsa, não achou. Ligou a cobrar do orelhão pra sua melhor amiga, a única que poderia acabar de vez com essa hipótese. “Oi Ana, é Maria, escuta, desculpa te ligar, mas eu tenho uma pergunta séria pra te fazer” “ Maria, espero que seja séria mesmo pra ser a cobrar a essa hora da manhã.” Ana não havia deixado sombras de dúvidas que mataria ela ao ouvir sua dúvida. “Ana, preciso saber, você acredita em deus? Digo, pode ser naquela força superior, mas você acredita?” “ Maria, meu amor.” Ana fez um silêncio e quando terminou de pensar, falou “ Deus é coisa de gente apegada, e religião meu amor, é desculpa esfarrapada.!” E desligou o telefone na cara de dela. Neste momento ela realizou que sim, havia solidão no mundo e neste momento, era ela a própria solidão.

O mundo parou a sua volta, o sono tentava entrar pela sua nuca e lutava contra seus olhos. Queria fechá-los, arrancá-los da cara, viver a escuridão eterna daquela noite que ela não dormiu. Sabia que tinha que agüentar até o fim daquele imenso dia insuportável. Tinha que ir trabalhar, sentar no computador, produzir, fazer dinheiro, colaborar com os colegas. “Levante as mãos e daí glória a deus, levante as mãos e daí glória deus...” “Que fazer meu deus?! Meu deus, que deus? Que caralho, cadê o frontal, por favor, moço, um café!” Maria se sentou no boteco e esperou ver se a confusão passava; o frontal pra relaxar, mas o café pra dar uma animada, era como mutilar o cérebro com soda cáustica. Aquelas horas nunca iam passar, ela poderia deixar no bar um bilhete com seu nome e telefone de casa, quem sabe, se morresse pelo menos alguém saberia quem era ela, ligariam pra seus pais. “Pelo menos morreu em paz, fica com deus minha filha”, seriam as palavras do túmulo dela. E morreria só, sozinha. Sem ter dormido o sono que tanto queria, sem ter descansado a sua mente inquieta.

08/11/2007

Meus cabelos crescem
E minhas idéias crescem com eles.
Minhas sobrancelhas crescem
E com elas minhas unhas crescem

Sem parar

Tomam conta do quarto, enrolando-se
A raiz castanha e as unhas vermelhas
Se perdem


No fundo azul


Dos meus lábios quase derramo as palavras
E no tapete se forma uma poça de água
De meus olhos abertos
De minha boca aberta

Água morna

Vem quente lá de dentro do meu peito
Que incha junto com meu desejo
Cresce corpo a dentro e lá fora
Abre-se o céu.

Tamanho de céu

Minhas mãos incham
E já não seguram mais a cabeça
Que ficou pequena demais
Pro tamanho das idéias

Muitas idéias

Saem pelas orelhas vermelhas
Da cor das unhas longas enroladas
Como lava fervente escorrem

E queimam, queimam tudo
De meu corpo sedento.