23/12/2009

Poema da Separação II

Todas as calcinhas, as rosas de lacinho, as branquinhas de renda,
aquela outra para o aniversário, vão ficar guardadas no armário;
E os outros presentes que iam ser dados, vão ser esquecidos.
Se arrependimento matasse, teria ao menos aceitado
de bom grado, se insistisse, o colar de pedrinhas azuis.

Agora começar tudo de novo: a academia, a lista de filmes,
o livro de filosofia.
Ligar pra todas as amigas, vai ser sábado de segunda a quinta.

Lidar com a dúvida que mais a devora -um dilema a parte.

Gorda ou gostosa, gorda ou gostosa,em qual delas acreditar agora?
Até o brigadeiro feito antes com zelo tornou-se inimigo.

Como entrar naquela calça que
meses atrás conquistou o gatinho?

Pensando a fundo, ainda tem todos os retratos.
Na praia.
No parque.
Na piscina.
Beijos, abraços, close no nariz engraçadinho.
Sorrisos apaixonados.
(Ai, que raiva do cretino!)

Parece agora um grande museu do desespero.

Mas, bola pra frente. Se olha no espelho, nem liga,
muda essa cor horrorosa do cabelo. O verão ainda promete,
além de cerveja gelada, muitos assobios
( de fato a academia está no top da lista)
Do ex agora, só sobrou mesmo uma caixa
de lencinhos vazia.

Nem mais uma lágrima se atreve a chorar,
as amigas falaram: não vale a pena, a mãe e o pai
também acham. Esquece aquele edema!

Mas daí ela pensa que ele era tão, tão, tão....
e que tudo era bom, bom, bom.

De relance olha a prateleira de sapatos,
vê o roxo, tipo mulher gato.
Não pensa duas vezes, agora, de fato, chega.
Batonzinho rosa só pra dar uma cor.
Fecha a porta do quarto.

Com cuidado desce as escadas.
Deixa tudo para trás,
porque é sempre tudo de novo.
E então já está, pensa:
Que venha o próximo namoro.

17/12/2009

Quanto tempo falta para esse sol de todos os dias
parar de iluminar as árvores da minha insegurança,
E deixar que as sombrar morram, aos poucos, dentro da noite?
E essa lua? A quantas anda seus giros em volta da minha órbita?
Da minha terra seca, dos meus sorrisos sem sulcos?

Quanto tempo falta? É inútil, é vão, é esquecido.
Vão-se as horas e espalhadas pelos sítios em volta
como folhas de outono, cobrem no meu rosto o medo.
Sem vento, a permanência delas é quase eterna.

Eterna enquanto dure o universo de coisas
dentro da minha cabeça ardida, ardida.
Os astros da fortuna pararam na casa da saúde
ali moram, velhos, senis, grandes bolas vermelhas.

Quanto tempo falta ainda para que eu possa crer
de fato, nos fatos? Na verdade, na certeza?
E deixar que a febre ceda e meu corpo resfrie
e meu sono seja com sonhos de pessoas silenciosas.
De pessoas com rostos suaves e olhares diretos
que olham pra dentro de mim como espíritos.

Falta quanto mais e quanto mais será preciso
aguentar essa urgência me comendo.
Eu me vejo aqui e não posso entender o que faço.
Aceito andar em linhas retas por cima de mim mesma
e vejo que talvez seja imprudente não olhar para os lados.

Mas, quanto tempo falta?
Só lamento não saber e sofrer por vontades
frívolas e sem graça e sem força pra sobreviverem.
Enquanto isso na rua, no céu, na paulista a vida
corre sozinha me deixando para trás.

Quanto mais, quanto mais?
Os dedos que enfio na terra formam furos profundos,
ali enfio sementes e rezo e desejo e as amo.
Querendo que o tempo seja justo e as deixe crescer
e que eu possa cuidar delas como não cuidei de mim.

06/12/2009

O Filho

Esse já nasceu quase morto
não tinha um braço e seus
dentes nunca nasceram.
Os olhos quando bons
viam cores, porém, sempre
opacas e embaçadas.
Como tentaram amar aquele monstro,
beijando-lhe a fronte meio amarelada,
todos os dias e todas as noites.
Mesmo com repulsa deram seus dedos
para que a frágil mão os segurassem.
Durante um tempo alimentaram-no
com amor, com zelo.
Depois, só queriam ver de longe
aquele rebento,
pois seu odor de podridão doía-lhes
o nariz e dava náuseas.
Tentaram crer que aquilo era o filho,
o presente maior do que há de amor
entre duas pessoas.
Mas aquilo não era o filho,
aquilo de perto não era nada.
Aos poucos davam-lhe só água,
a porta do quarto ficava sempre fechada.
Até que um dia esqueceram-se dele,
não olharam uma última vez seu
rostinho doente.
Apenas mudaram-se de casa
e deixaram para o festim das baratas
o pobre corpo sem nome.