29/02/2008

Vidas Ordinárias II

Estava tudo preparado para Paulo passar o reveion mais romântico da vida dele com a namorada em Cancún, quando o inesperado aconteceu. Sua querida mãezinha morreu na véspera do dia 30 de dezembro. Paulo, desesperado, tentou arranjar todo o funeral o quanto antes mas, ironias da vida, por ser final de ano, todas as casas funerárias e os serviços prestados estariam indisponíveis até o dia primeiro, ou melhor, dia dois, pois dia ume é Todos os Santos. Ficou resolvido assim, sua mãe ficaria na geladeira estes dias e logo no dia dois seria enterrada. Cancún ficou para trás. No dia do funeral, todos reunidos:

- Meus pêsames.

- Acontece.

- Ela tá com uma carinha, coitada...

- É, resfriada.

-Gripe?

-Não...freezer.

12/02/2008

Vidas Ordinárias I

Só agora que sua vida começou. A sua pequena coleção de miniaturas engraçadas estava completa. O IPVA IPTU e as dívidas do ano passado estavam quitadas. Agora era vida nova, Ana pensou. Tão nova que resolveu fazer um novo corte de cabelo e terminar de vez aquela meia coisa que ela havia começado com um certo alguém. Um equívoco. “dia 1...não, segunda feira, além de tudo, eu começo a ginástica”. Ana ganhou da sua amiga um dvd bárbaro de ginástica com uma super professora chamada tammy. “Se funcionou com ela, vai funcionar comigo”. Pensava ela enquanto comia pipoca e assistia ao vídeo ( pois jamais iria fazer uma ginástica sem antes saber do que se tratava) sentada no sofá, também novo, comprado na Benedito Calixto.

Mas não foi bem assim. As pessoas não podem ser felizes o tempo todo, incluindo ela, que era uma pessoa meio normal meio especial, meio bonita meio feia, meio alegre meio triste, no último ano mais triste que alegre. Não pode ser 100 por cento? Não, não pode, Ana.

Ela ia entrar no chuveiro quando o telefone tocou, pensou em não atender e deixar que a secretária eletrônica se encarregasse disso. Mas estava se sentindo meio só aquela noite e pensou que, quem sabe, não seria alguém com um bom papo?! “Alô, Ana...”. Quando ela ouviu aquela voz, sentiu o suor descer-lhe pelas costas, desligou o telefone imediatamente, precisava fumar e quem sabe beber “ cadê aquele maldito maço de marlboro que esqueceram aqui em casa?Será que ainda tem um finzinho de tequila na garrafa?” Péssima idéia foi ter atendido à aquele telefonema. O telefone tocou de novo, Ana estava muito nervosa, mas resolveu atender:

“Ana...acho que a ligação caiu...”

“Não, a ligação não caiu, fui eu que desliguei, eu achei que não poderia falar com você e, no entanto você ligou de novo, mas a única coisa que eu quero saber é : por que você nunca mais apareceu e quero entender por que me ligou agora, depois de tanto tempo.”

Ah, o amor não correspondido. Ou melhor, foi correspondido e depois abandonado como um lencinho de papel usado. Da mesma forma como ele se apaixonou por Ana e o amor durou por seis meses, um dia ele sumiu. Sumiu de vez, arrasando o coração e a vida de Ana. Arrasando seus pulmões de tanto chorar, arrastando sua alma para um buraco fundo fundo. Para ela, quase não tinha volta, mas este ano era outra coisa....Ia ser outra coisa.

“ Eu queria me desculpar, sou um tolo...Estou aqui aqui em Sampa e queria te encontrar pra tomar um café..”

“Um café???” Ela estava horrorizada pela mesquinhez dele.

“Ana, quero te falar o que aconteceu, te pedir desculpas...te explicar.”

Tudo o que ela queria era aquela metade de seu coração que apodreceu. Sentada no chão com o telefone no ouvido, ela chorava lembrando de tudo de bom que passaram e sofria, como sofria...Havia sido abandonada e agora não tinha forças para dizer não... A voz dele estava tão firme e segura, tão límpida e saudável, Ana sabia que ele não ia voltar pra ela, só iria arrancar mais um naquinho daquilo que sobrava dela.

“Ta, ta bom, eu vou. Em meia hora te encontro no Unibanco.”

Como uma condenada, Ana caminhou até o chuveiro, lavou seus cabelos sem nenhum desejo, passou creme no corpo que passara tanto tempo só. Passou batom e perfume. O que fazer, afinal, não é? O que restava da felicidade que buscava? Todos seus créditos se foram. No carro enquanto dirigia ouvia no rádio uma música triste e seu ano parecia que não iria acabar jamais.