16/05/2006

++ O Dia de Alberto++

A MANHÃ

Dalva acordou bem cedo este dia, foi ao banheiro, lavou o rosto e voltou para o quarto para acordar o marido “Alberto, levanta que é hoje!”. Alberto levantou-se, olhou para o relógio e satisfeito, sorrindo disse Maravilha, já são nove horas! Temos que acordar as crianças.” E as crianças foram acordadas,ligaram para a escola e confirmaram o que já sabiam: Não iam ter aula aquele dia. Alberto tampouco foi trabalhar, Dalva cancelou o cabeleireiro; impossível sair aquele dia pelas ruas de São Paulo. Todos sentaram na frente da T.V, a tragédia fora anunciada no noticiário da manhã pelo jornalista em tom grave: “Cidade sitiada! Tomaram conta das ruas o comando PCC, tragédia total, muitos mortos e feridos, permaneçam em casa...” etc etc etc. Alberto franze a testa, segura a pequena mão suada de Dalva, esta olhava pela janela em um misto de contemplação e medo.” Será que eles vão invadir a nossa casa? Eu escondi todas as minhas jóias em baixo daquele móvel antigo” “Deixa de bobagem, mulher” diz Alberto. Mas no fundo ele sentia que algo poderia acontecer. “Estamos vivendo uma guerra civil, não temos tempo para pensar em jóias” diz quase sussurrante. Um sentimento de obrigação civil nasce dentro dele, Alberto vai para a garagem, pega algumas correntes e cadeados “Crianças, saiam do jardim!” “Mas papai, não temos aula hoje, a gente combinou de jogar war com o Fredinho”, “ De jeito nenhum!” diz o pai, protetor e emblemático. “Estamos em Guerra! Vão para dentro e liguem o rádio!”. Alberto coloca os cadeados e as correntes em todas as portas que acredita serem mais fáceis de arrombar. “Se aqueles danados chegarem aqui...” range os dentes, com pensamentos terríveis dentro de sua cabeça.

O DIA ANTERIOR

Essas eram as noticias: tinham acabado de bombardear Bagdá mais uma vez, e uma lista fresquinha de prisioneiros de Guantánamo havia sido liberada pelos EUA quando Alberto recebeu o aviso de sair do trabalho mais cedo, “O bicho vai pegar hoje”.Disse o supervisor. Enquanto o mundo estava em chamas Alberto só pensava em ir para casa, jantar com a mulher e os filhos, todo mundo tinha um mau dia na vida. Mas o que ele não esperava era que este dia tinha, finalmente, chegado para ele. Eufórico, ao entrar no carro ligou para Dalva. “Pegue as crianças no inglês, Dalva! Parece que hoje vai ter tiro pro alto! Metralharam tudo”, ao que Dalva pode entender, pois estava com o secador ligado, respondeu prontamente “Mas ainda são quatro e meia, Alberto, que maluquice é essa?”. Alberto faz silêncio na linha, olhou para o horizonte, e tudo o que via era carros e mais carros, com motoristas ao celular. “Dalva, faça o que estou falando”. Havia então chegado o seu dia, concluiu, o dia em que a guerra o cercou, comboios da policia passavam ao seu lado com armas apontadas para todos os lados. Ele sabia que corria risco de vida andando pelas ruas, afinal, já haviam explodido uma escolinha na zona leste da cidade. Fecharam o comércio e os bancos, não teve tempo nem de passar na padaria pra pegar uma pipoca, afinal, a vigília ia começar cedo naquele dia. “É a guerra, é a guerra!” Repetia para si mesmo enquanto tentava chegar em casa. Dalva abriu o portão e se jogou nos braços de Alberto, não havia comoção maior do que a daquele casal, ligados pelo medo e pela iminência da morte. “ Eu ouvi no rádio, Alberto, deram o toque de recolher, estou com tanto medo..” Esta frase, Dalva ouvira em um filme de ação e jamais pensou em repeti-la, ao vivo. Abraçam-se e olharam para o céu. Aquele pôr -do-sol de outono estava mais sinistro do que nunca.

DESFECHO

Trancados dentro de casa o silêncio fazia-se maior, não havia mais pessoas nas ruas, nem uma alma. “Mãe, to com fome...” “Come pipoca meu filho, sua mãe não pode fazer um lanche agora, é a guerra, meu filho, guerra!”. Já eram duas da tarde, e tudo que haviam comido era o café da manhã. “ Em dias como estes temos que pensar em sobreviver e não em comer”, retificou Alberto. Estavam sentados no sofá, a T.V ligada e o rádio ligado. As imagens que viam eram terríveis,mas até agora, nada havia acontecido perto deles. De repente Alberto se assusta, corre para a janela, crê que ouve algo. “ Mulher, rápido, escondam-se!”. Silêncio. Logo em seguida, um miado, “ É só o Zequinha, Beto! Se eles jogarem uma bomba aqui a gente ia ouvir né?”. Alberto não se contenta com a resposta da mulher, Pedrinho, o filho mais novo começava a soltar um gemidinho... “Pai, to com fome e com medo...”. O sentimento bélico tinha tomado conta de todos. Algumas sirenes eram ouvidas ao longe, mas nada, absolutamente nada parecia chegar perto da casa de Alberto. A noite chegou como todas as outras, e a penumbra foi tomando conta da sala, Dalva acende uma vela, mas é censurada por seu marido “ Isso vai chamar a atenção deles”. Mas agora, os meninos aborrecidos foram para o quarto jogar vídeo game, isso deu a chance a Dalva de falar bem francamente com o marido: “ Olha aqui, Alberto, preste bem atenção: Se nenhum tirinho entrar por essa janela, você vai se arrepender! Amargamente!” “ Mas, Dalva meu bem, nunca se sabe..” “ Shhiu! Nem mais um pio, vo na cozinha esquentar uma sopa pros menino.”. Alberto ficou sozinho na sala, no escuro,olhando pela janela a rua deserta lá fora. Talvez, hoje não fosse o dia dele, não era pra morrer, seguir em frente e esperar sempre pelo pior...Um homem prevenido vale por dois. Saiu correndo em disparate até o meio da rua, acendeu uma tocha improvisada com uma camisa velha e o cabo de uma vassoura, que Dalva, quando desse conta ia fiar furiosa. “ Venham seus malditos! Seja lá da onde saírem! Não vou me dar por vencido, jamais!” Espumava pela boca e esbravejava. “ Vocês vão se arrepender...Vão se arrepender...”.